PARA ALÉM DAS MANCHETES OU AGUÇANDO O SENSO CRÍTICO
Deparo-me hoje com a seguinte manchete no site da
Folha de São Paulo: “Desemprego sobe em junho e indica tendência de alta” (aqui). Fui ler
a reportagem. Diz ela que em junho de 2012 o desemprego estava em 5,9%. Um ano
depois, em 6%. Ora. Podemos chamar isso de subida do desemprego? Intriguei-me. Mas
continuei a leitura. Mostra-se um gráfico em que há uma curva descendente e ascendente a
partir de dezembro, mas sem explicar que isso ocorre sempre porque em todo fim
de ano as contratações aumentam devido ao Natal/révellion e depois voltam ao patamar
normal. São as variações sazonais. Ao final das contas, o desemprego teria
crescido 0,1% em 12 meses! Mesmo admitindo que o número de trabalhadores com
carteira assinada cresceu 3,2% e levando em consideração que uma diferença de
0,1% está dentro de qualquer margem de erro de uma pesquisa, diz a reportagem
que “Ainda que de modo lento, o desemprego deu sinais mais claros em junho que
há em curso uma tendência de alta”. Mas não diz quais seriam esses sinais. E põe a seguinte explicação para o suposto
aumento do desemprego: “a freada do consumo e do PIB neste ano, que já se
traduzem num desempenho pior do comércio (um dos setores que mais emprega) e em
outros ramos de atividade”.
Ainda intrigado com a notícia, fui ao Globo.com, onde encontrei também a
seguinte manchete: “Desemprego sobe para 6% em junho, mostra IBGE” (aqui). Apresenta-se
um gráfico onde não consta que o desemprego em junho de 2012 estava em 5,9%. Inicia-se
em julho, mês em que houve queda de 0,5% em relação a junho de 2012, ficando em
5,4%. O texto destaca em negrito a variação de 0,2% de maio para junho de 2013,
sem informar que em 2012 o desemprego estava em 5,8% em maio e subiu para 5,9% em
junho. Forma-se um paradoxo no
próprio texto, onde constam frases como “o aumento de 5,8% de maio para 6% em
junho em termos de estatística significa que o emprego ficou estável”, “Pela
primeira vez nessa comparação a taxa aumenta, ainda que signifique
estabilidade, de 6% em junho contra 5,9% em junho de 2012.” e “A população
desocupada somou 1,5 milhão de pessoas, registrando estabilidade tanto em
relação a maio quanto a junho de 2012. A população ocupada atingiu 23,0 milhões
e também não teve variação significativa nas comparações mensal e anual.”
Em ambas notícias se dá um descolamento da realidade, na medida em que os dados contidos no próprio texto não inferem a conclusão descrita na manchete. Cria-se uma falácia de falsa causa, na qual as premissas (os dados explicitados) não conduzem à conclusão desejada (aumento do desemprego).
Buscando melhor entender o que se passava, fui ao site do IBGE. Lá estava o referido estudo, no qual se
concluiu que a taxa de desemprego não apresentou variação significativa nos
últimos 12 meses (aqui). E mostra
o seguinte gráfico:
FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de Emprego. |
Ademais, segundo a pesquisa, realizada nas regiões metropolitanas de
Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, o
número de trabalhadores com carteira assinada aumentou 3,2%. O rendimento médio
do trabalhador aumentou 0,8% em um ano. A pesquisa completa, cujo subtítulo é “Taxa
de desocupação e rendimento ficam estáveis”, pode ser lida aqui.
Não encontrei na pesquisa do IBGE qualquer referência à “a freada do
consumo e do PIB neste ano, que já se traduzem num desempenho pior do comércio
(um dos setores que mais emprega) e em outros ramos de atividade”, como dito na
reportagem da Folha de São Paulo. Creio que se trata de conclusão do jornal, extraída sem um a base fática, e
que tal fato não foi explicado ao leitor.
Esse caso é ilustrativo. Na verdade, escancara os riscos da realidade
mediatizada, na qual nosso acesso ao mundo deixa de ser feito diretamente. Passamos
a ser mediados pelos meios de comunicação em massa. Cria-se o que no dizer de
Giovani Sartori é o homo videns. Tudo vira imagem. A imagem de outrora da
televisão, como Sartori denunciou. Agora, também, a imagem das manchetes dos
portais de notícia. Em tempos de aceleração social, no qual somos bombardeados
por tanta informação e não há tempo para ler e refletir criticamente para além
da manchete, isto é, não há espaço para a reflexão e nem para o aprofundamento,
o risco de alienação é grande. Devoram-se notícias pelas manchetes, pelas
chamadas, como se fosse possível ler um livro a partir, tão somente, da orelha.
Há uma espetacularização da notícia. O fator “impacto retórico”
conta. Aliás, funde-se notícia com entretenimento e publicidade. E no meio do caminho, escondem-se os
reais interesses da mídia – na pessoa dos seus proprietários. Quem diz algo sempre o faz a
partir de um lugar de fala que nunca é isento. Só mesmo a ingenuidade explica um
leitor que não percebe que toda notícia é produzida. Não há mera reprodução de
fatos. A produção se dá desde a escolha do que vai ser (ou não) objeto de
notícia nas redações, até o ângulo com que é abordado o tema e as conclusões que a matéria
jornalística quer que o leitor tire. Ou você acha que os meios de comunicação em
massa visam apenas informar? Visam conformar. Dar uma forma à notícia, de acordo com uma determinada posição ideologicamente situada. Todo discurso apregoa uma verdade que não representa a realidade. É consequência do que passou pelo filtro (do que não deve se expor) e pelo molde (do que se deve mostrar) desejado por quem detém o poder dentro do veículo de comunicação.
Mas isso será objeto da próxima postagem do blog – para não tornar o texto
longo e cansativo.
Pode até ser que o desemprego suba daqui a uns meses (e pode ser que não). Mas a pesquisa do IBGE não pode ser usada para se concluir isso. O que quero ressaltar aqui é a importância de se desenvolver o senso
crítico. No caso da mídia, ler as notícias para além das manchetes. Não se lê
uma notícia a partir das manchetes assim como não se pode ler um livro apenas
pelas “orelhas” dele. Senão, torna-se massa de manobra. Esse caso do desemprego
é apenas um exemplo do que diariamente vemos por aí nos noticiários. A
realidade torna-se apenas uma pálida lembrança nessa lógica de produzir
manchetes e comover (ou mover, mesmo – manipular).
Para quem atua nas ciências humanas e sociais, essa postura crítica
é muito importante, pois busca os motivos dos fenômenos da vida em sociedade para
além das aparências, para além da memorização, do decoreba – dá-se a
compreensão. É se situar no mundo, no tempo (ter uma consciência histórica) e
no espaço (de uma determinada sociedade). A partir daí, entender o mundo em que
vivemos e suas relações de poder. E na vida em geral, é o divisor de águas
entre uma existência alienada ou autêntica. A escolha é sempre sua, leitor.
*Rosivaldo Toscano dos Santos Júnior é juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD
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