Entrevista com o autor Rosivaldo Toscano dos Santos Júnior! Saiba sobre a obra “A guerra ao crime e os crimes da guerra: uma crítica descolonial às políticas beligerantes no Sistema de Justiça Criminal Brasileiro”







Por Redação – 06/09/2016
1. Qual a proposta do livro “A guerra ao crime e os crimes da guerra: uma crítica descolonial às políticas beligerantes no Sistema de Justiça Criminal Brasileiro”, publicado recentemente pela Editora Empório do Direito?
O livro propõe uma reflexão sobre a autenticidade das políticas criminais implementadas por aqui. Será que elas são pensadas desde dentro, de nossa totalidade social, como solução legítima para nossos problemas ou, simplesmente repercutem saberes e interesses que são impostos como verdades absolutas desde fora, mas que, na prática, redundam em mais violência?
O livro analisa a importação das políticas beligerantes (Belligerent Policies) e neoliberais (eficienticismo corporativo) estadunidenses e seus efeitos no nosso Sistema de Justiça Criminal.
A política de segurança pública e a política externa dos Estados Unidos estão impregnadas do ethosguerreiro. Elas se materializam em três ideias de guerra: a) a guerra ao crime (War on Crime); b) a guerra às drogas (War on Drugs) e na guerra ao terro (War on Terror). As duas últimas expressam-se também enquanto política externa atualizadora da Doutrina da Segurança Nacional (National Security Doctrine). Aqui, pela influência que sofremos dos Estados Unidos em razão de nossa condição de periferia, de quintal geopolítico da grande nação do Norte, e por causa de nossa consequente vulnerabilidade social, tais políticas materializam um direito penal do autor extremamente violento e letal. Os Estudos Descoloniais mostram que a importação mimética e a aplicação dessas concepções beligerantes (Belligerent Policies), em vez de solucionar a questão da violência criminal, aprofunda-a.
ethos guerreiro das políticas beligerantes gera aqui índices de homicídios alarmantes e a polícia que mais mata (e a que mais morre) no mundo. Sob os discursos/pretextos da guerra ao crime, da guerra às drogas e, agora, da guerra ao terror, criaram-se áreas de exceção nas periferias brasileiras cuja barbárie ultrapassa até mesmo o Estado de Sítio constitucionalmente previsto.
2. Quem são as vítimas dessa barbárie?
Essas violações são contra os sem-voz, os habitantes das áreas de exceção – sob as vistas dos órgãos que deveriam contê-las, mas que, em face da imersão nas Belligerent Policies, tornam-se coniventes com a barbárie – quando não a legitimam expressamente.
3. Qual o papel da Justiça Criminal nesse contexto?
A situação se agrava porque o Judiciário é tomado pelo discurso eficienticista corporativo. O Judiciário como corporação reproduz os interesses do neoliberalismo. Em nome da eficiência, a normatividade, protetora de Direitos Fundamentais, torna-se uma exterioridade a ser contornada ou derrubada. E os juristas colonizados, típica manifestação da colonialidade do saber, estão à solta para fazer a mimese das teorias oriundas do centro. Gera-se mais violência.
4. A ideia de Direitos Humanos, embora também vinda de fora, não seria um contraponto de resistência e de superação dessa barbárie?
O discurso hegemônico dos Direitos Humanos, também aqui importado pelos Psittacidae do discurso eurocêntrico, por defender o modelo liberal de origem eurocêntrica, jamais será verdadeiramente libertário. Por isso que esse modelo convive, por séculos, com a barbárie na periferia. No discurso mainstream dos Direitos Humanos não há espaço para o Outro – que somos nós. Esse pretenso universalismo tem lado. Torna-se estratégia geopolítica e pretexto para dominação e perpetuação de sofrimento, miséria e conflituosidade social na periferia do mundo – da qual fazemos parte.
5. É aqui que entra a descolonização?
Os Estudos Descoloniais, denunciando a colonialidade, o outro lado da Modernidade, apontam que somente construções teóricas e práticas sociais que sejam autênticas, gestadas ou repensadas a partir da realidade periférica, são capazes de trazer uma resposta que se pretenda libertária. Os estudos descoloniais visam dar voz ao Outro e, a partir daí, possibilitar a libertação. Eles nos inserem, enquanto latino-americanos, na história. Somos o encoberto. Precisamos construir nossas próprias narrativas.
6. E qual o papel do direito nisso tudo? Pode ele ser libertador?
O direito não muda nada porque ele é apenas uma estrutura. São homens, por meio de suas ações, dentro da totalidade social, os agentes da transformação. São os homens que constroem o futuro, queiram ou não, saibam ou não. E o primeiro passo está em saber que há sempre um outro lado para além do discurso hegemônico, para além da colonialidade.
7. Qual a solução que seu livro apresenta?
Qualquer resposta simples para problemas complexos é, no mínimo, uma burla. Mais ainda quando estamos lidando com dinâmicas seculares que envolvem relações de poder diuturnamente reforçadas. Dinâmicas que envolvem uma dominação que passa ao largo da percepção até mesmo da maioria da elite intelectual periférica – quando não é ela também um instrumento para a dominação e, por consequência, para a perpetuação da colonialidade.
O livro percorre um trajeto para propor uma resposta. Há pontos necessários que precisam ser visitados. Há ideias que precisam ser trabalhadas no caminho. Esse trajeto é essencial para que a compreensão se dê. Ao invés de uma resposta taxativa, faço um convite e deixo uma pista: que tal fazer a leitura da obra? Liberdade é saber que sempre existe um outro lado.
8. Quais as motivações para escrever sobre este tema?
Verifiquei que o discurso do sistema penal aqui, tanto o explícito quanto o subterrâneo, reproduzia categorias e propunham soluções a partir de experiências localizadas, mas encoberta como universais ou como discurso único, e cuja conjuntura de criação (Estados Unidos ou Europa) era bem diversa da realidade latino-americana e, em especial, da brasileira.
9. Conte como foi o processo de pesquisa para escrever.
Para refutar as construções desde fora, precisei, nesse processo de desvelamento, reler essas pretensas verdades e buscar as conjunturas que as criaram. Foi preciso ir além de uma obra de abordagem meramente dogmático-jurídica. A pesquisa envolveu saberes que a epistemologia tradicional classifica como criminologia, psicologia social, história, geopolítica, ciência política, economia política e sociologia. O viés crítico foi necessário também.
Aliás, analisar um fenômeno social como o direito somente pela ótica da dogmática jurídica é miopia epistêmica. O mesmo ocorre com quem se apega aos fenômenos apenas pela ideia geral que deles se passa através do paradigma formalista – que visa a abstrair os conceitos para serem entendidos soltos, sem espaço e sem uma história dentro da história de uma totalidade determinada. Isto, é, sem considerar a materialidade das relações sociais sobre a qual os fenômenos emergem.
Para que os institutos jurídicos ultrapassem a condição de meros recursos retóricos (não raro, enganadores), somente sua consideração na realidade social é que os torna reais, é que permite serem efetivamente aquilatados, problematizados e dimensionados. Não vivemos em um Estado de Direito porque assim dizem o texto da Constituição e o discurso único, se a materialidade das ruas e dos cárceres, dos favelões, dos hospitais públicos lotados e sem leitos, das crianças pobres sem escolas de qualidade, dos movimentos sociais tratado a cassetete e balas de borracha gritam “não!”.
Nem podemos dizer que vivemos em um regime democrático quando nos deparamos com a ocupação elitizada dos cargos eletivos que materializam uma verdadeira República das Oligarquias e do Abuso do Poder Econômico. Da mesma forma, chega a ser cínico o discurso de que “todos são iguais perante a lei” se os cárceres nos esfregam no rosto sua realidade insolitamente seletiva e excludente. O formalismo é, nesse sentido, uma venda cruel.
Portanto, detive a atenção na descrição de nossa realidade e busquei seus porquês, em vez de me contentar em dizer simplesmente como ela deveria ser sem compreender os motivos pelos quais não é. Importam-me as relações de poder que subjazem, de modo a conformar a realidade de uma determinada maneira – a que é. Porém, que não confundamos isso com a mera justificação do status quo ou com um fatalismo ou determinismo blasé. Não poderemos promover uma reflexão crítica se não assumirmos um compromisso com a transformação e apontarmos caminhos.
10. Fale sobre os planos para futuras publicações.
Pretendo fazer um retorno à literatura. Um livro de casos da vida na magistratura. O título é “Se a Toga Falasse”. Já tenho 49 casos escritos. Está praticamente pronto. Mas isso é projeto para daqui a uns meses. Quero curtir o “A Guerra ao Crime e Os Crimes da Guerra” e poder construir o conhecimento junto com seus leitores. Tem muito ainda a se discutir sobre o que está na obra.

Conheça mais detalhes da obra e reserve o seu aqui

A guerra ao crime e os crimes da guerra: uma crítica descolonia

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