A mídia comove. Co-move. Move como quer

Imagem: The TV shows you what they want. Fonte: 9GAG

 





"Os meios de comunicação em massa buscam uma abordagem que nos conduza, nos mobilize, nos emocione, nos infantilize. Que nos destitua de consciência crítica, de autonomia, de emancipação. Assim, as matérias jornalísticas são produzidas enquanto razão instrumental. Deixam diante de nós apenas a oportunidade de abraçarmos as conclusões que já vieram nas premissas. Não dizer o que condiz, mas dizer o que nos conduz. Esses conglomerados possuem a técnica de como comover as massas. Co-mover. E mover como quiser."


Faço hoje uma reflexão sobre os meios de comunicação de massa e a realidade. Sobre notícia, manipulação, informação e propaganda na mídia, em especial, a televisão, que continua sendo o principal veículo informativo (lembremos que a internet só chega a 40% dos lares brasileiros e nem todas as gerações a utilizam igualmente. A televisão atinge 95%).
Quero tratar, inicialmente, das notícias e entretenimentos borderline, fronteiriços da propaganda, nas programações dos meios de comunicação televisivos. Isto é, a veiculação de notícias ou de programas de entretenimento que são, ao mesmo tempo, propaganda para os outros programas que a própria emissora produz. E depois, de como o jornalismo produz realidades. Enfim, como se dá a criação de um mundo à parte e a imersão do telespectador nele. Há espaço para a ética nisso tudo? E o art. 221 da Constituição da República? Por onde anda a democratização dos meios de comunicação em massa?
Os conglomerados midiáticos têm o poder de criar um mundo à parte e em um caráter autorreferenciado. Numa determinada emissora de televisão, por exemplo, em seu grande programa dominical da tarde, os entrevistados, os jurados ou os temas dos quadros do programa são os atores ou apresentadores que representam os personagens de suas próprias novelas e programas. E falando, claro, das novelas e programas da emissora. A audiência assiste a uma propaganda autorreferente da própria emissora como se entretenimento fosse.
No mesmo domingo, agora à noite, a revista eletrônica da emissora transforma em matéria jornalística os temas da novela. Ou anuncia um filme, entrevistando atores e mostrando curiosidades da filmagem. Só que não informa se, por exemplo, a divisão de cinema da mesma emissora contratou e se tornou distribuidora do referido filme. O que transformaria a pretensa reportagem em uma matéria propagandística de um produto vendido pelo conglomerado, mas sem que o telespectador saiba dos interesses econômicos do próprio conglomerado em divulgar aquele produto. O filme ou evento que não estiver, de algum modo contratado, estará no mundo televisivo dessa emissora? Como formar um juízo crítico a partir do encobrimento de um ponto que fulmina a pretensa isenção jornalística da emissora?
Já nas novelas, vendem-se produtos e estereótipos. A propaganda não é só nos comerciais. É o tempo todo. Dos xampus usados pelos personagens até a forma de ver o mundo. Um mundo para ser consumido. O problema é que muita gente não percebe isso. Acho que essa forma de trabalhar a comunicação social é borderline entre a informação e a manipulação/alienação do cidadão-telespectador. Pois a Constituição diz, em seu art. 221, que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, e respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Em relação aos telejornais, o senso comum entende as notícias como reprodução do mundo. E não como algo produzido, construído a partir de um ponto de vista e de um lugar de fala. Não percebe que há ideologia, enquanto encobrimento das contradições existentes entre os interesses em jogo e o que é mostrado, da forma como é feito isso.
O senso comum não percebe a criação de um ciclo alienado, fechado dentro do mundo da emissora, mas que não é a representação do mundo, do planeta em que vivemos (ou sobrevivemos). É um mundo construído para ser consumido pelos nossos olhos. E digo mais: em consumir o que é propagandeado e vendido como natural desse suposto mundo.
Como é um mundo à parte, é produzido para que sejamos parte dele. E que sejamos, ao mesmo tempo, parciais, desprovidos da consciência crítica. Homens teledirigidos, no dizer de Giovani Sartori. Seres em uma existência inautêntica, no dizer de Heidegger. E a partir dessa alienação, dessa existência inautêntica, pensemos através do olhar outro: da mirada estreita e delimitada pelos interesses do veículo de comunicação. Ou melhor, que esse mundo, enquanto ideologia, enquanto imaginário, diga-nos o que pensar. Que pense por nós, sem que o saibamos (claro, se soubermos, reagiremos – por isso é ideológico).
Os meios de comunicação em massa buscam uma abordagem que nos conduza, nos mobilize, nos emocione, nos infantilize. Que nos destitua de consciência crítica, de autonomia, de emancipação. Assim, as matérias jornalísticas são produzidas enquanto razão instrumental. Deixam diante de nós apenas a oportunidade de abraçarmos as conclusões que já vieram nas premissas. Não dizer o que condiz, mas dizer o que nos conduz. Esses conglomerados possuem a técnica de como comover as massas. Co-mover. E mover como quiser.
No jornalismo televisivo, é bom sempre atentar para o método de apresentação das notícias. A pretensa isenção que se esconde no modo tese-antítese da notícia é mascarados pela ordem da fala, pois quem fala por último dá as conclusões ao telespectador. Observe que na grande mídia as reportagens trazem, às vezes, o modo tese-antítese e outras tese-antítese-tese. Quando se quer ressaltar algo negativo, usa-se o modo tese-antítese-tese, no qual a tese prevalece ao final, conduzindo o telespectador a uma conclusão.
Outras vezes, o alinhamento ideológico da mídia se reflete na violência do discurso, no qual o rótulo tem poder. Assim, há uma grande diferença em chamar um grupo de “insurgente” ou “terrorista”. Um chefe de Estado de “presidente” ou “ditador”. Osama Bin Laden já foi “resistente” quando combateu os Soviéticos. Mas se tornou “terrorista” após contrariar os interesses de quem inicialmente o financiou e o apoiou. Uma pesquisa nos jornais brasileiros provavelmente mostrará que na década de 1980, quando combateu o Irã, Saddam Hussein era chamado de “Presidente”. Depois do 11 de setembro, passou a “ditador”. Quero ressaltar que não os estou defendendo. São exemplos de como se dá a manipulação do discurso midiático e como ela se alinha a determinados interesses.Por fim, não quero aqui pregar o boicote aos meios de comunicação em massa e, em especial, à televisão. Quero, tão somente, despertar o olhar crítico. Não existe “imprensa livre” dos próprios interesses dos seus proprietários e anunciantes.
Pelo grande poder de “produzir realidades” e de convencer pelo discurso da “notícia”, a mídia é instrumento no jogo político-partidário. E não por menos, há tantos veículos de comunicação nas mãos de políticos. Para saber mais, uma boa fonte de informações está no site Os Donos da Mídia.
Em conclusão, não somente devemos estar atentos para a manipulação da notícia e do entretenimento como propaganda, mas também para que exijamos a democratização dos meios de comunicação social. Para que se pulverize esse poder. Nem nas mãos do Estado e nem nas de um pequeno grupo. Do jeito que está, pelo poder que a mídia possui de criar mundos e realidades, de mobilizar, distorcer e manipular, é uma ofensa à democracia. 
 
*Rosivaldo Toscano dos Santos Júnior é juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD

 


 



 


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