Não é por milhões, mas é por R$ 2,20: “reserva do possível às avessas” na práxis penal


“Barbárie é pensar que nada faço para que o outro morra, mas também nada faço para que ele viva”
Theodor Adorno
A coluna desta semana traz um caso que enfrentei há cinco dias e que representa muito bem a realidade da práxis penal brasileira. Uma dona de casa foi abordada pela fiscalização do sindicato das empresas de transportes urbanos da cidade. Descobriram por duas vezes que ela havia utilizado a carteira de estudante do filho no leitor magnético do ônibus. O documento foi apreendido e seu filho teve cassado o direito de emitir novas carteiras de estudante por um prazo não definido. O que em qualquer país dito desenvolvido geraria no máximo uma multa administrativa, deu azo aqui também a instauração de um inquérito policial.
Concluído depois de idas e vindas e da anexação do procedimento interno de apuração do incidente pelo sindicato patronal, o representante do Ministério Público à época com atribuição para agir no feito ofereceu denúncia contra a referida dona de casa pela prática do crime de estelionato. Após a recusa da proposta de suspensão condicional do processo pela acusada e o oferecimento da resposta à acusação, o caso me chegou às mãos. O prejuízo apurado foi o equivalente ao de duas meia-passagens de ônibus: R$ 2,20.
À mesma época, apenas quatro meses antes dos fatos acima, a Força Nacional deixara Natal (aqui). Estivera na cidade durante dois anos para ajudar a impulsionar as investigações de homicídios – que andavam paralisadas e cuja impunidade seria uma das causas do aumento dos índices de crimes dolosos contra a vida e dos latrocínios. A alegação da máquina pública era de falta de condições estruturais e de pessoal para tocar as investigações sem uma ajuda externa.
O Rio Grande do Norte, aliás, teve o maior aumento no número de homicídios dentre os estados da Federação. Entre 2002 e 2012, cresceram assustadores 272,4% (aqui). Parecia insólito, portanto, ter aquela denúncia em mãos porque, como eu mesmo já havia alertado em vários escritos, havia mais de 300 homicídios sem solução apenas na minha área de jurisdição, a Zona Norte da capital do RN, a mais violenta da cidade.[1] E fatos análogos a este caso de estelionato, inclusive, já foram objeto de outras reflexões, em especial um artigo que escrevi em coautoria com professor Lenio Streck.[2] Mais insólito ainda saber que a vítima do suposto estelionato era uma milionária empresa de transporte coletivo.
Passei a refletir: o Brasil não está no nada honroso clube dos países mais violentos do mundo à toa. Há um sistema que funciona de modo a permitir isso. E em que medida não somos nós, os aclamados juristas, protagonistas na reprodução dessa violência? Casos como o desse estelionato no valor de R$ 2,20, são gritante demonstração do caráter seletivo, de reprodução e reforço da violência que o sistema penal ocasiona contra o estrato-alvo da sociedade: o dos pobres. Trata-se da clássica e, lamentavelmente, sempre atual criminalização da pobreza em face da seletividade do sistema penal, também já por mim denunciada.[3]
Há escolhas sendo feitas – Percebidas ou não
E esse reforço da violência pelo sistema penal é duplo. Não somente pelo que é feito, mas também pelo que se deixar de fazer. Paradoxalmente, é nos seus silêncios, nas omissões do seu discurso, que o sistema penal confessa a quem serve. É nos estratos superiores que a imunização se dá não só pela impunidade onde há o tipo penal, o que está na superfície da cotidianidade. O principal vem antes: na escolha do que não se criminalizar, afinal, como diz Ernst Bloch, “o olho da lei se encontra no rosto da classe dominante”.[4] É na falta de sentido que todo sentido se faz, que o sistema penal engendra sua lógica de oprimir os oprimidos e garantir a naturalização da ordem desigual. Se como diz Honoré de Balzac na obra A Estalagem Vermelha, “na raiz de toda grande fortuna existe um crime”, as cadeias estão cheias apenas de pobres. Na raiz de toda grande miséria existe um criminalizado.
Há, portanto, escolhas que, para o senso comum teórico, estão despercebidas, pois se perdem na cotidianidade. Mas as escolhas são feitas por esses atores jurídicos, embora quase sempre nem compreendidas como tais por eles, uma vez que estão submetidos à cotidianidade e ao habitus.[5] Essas escolhas culminam no cenário social bárbaro de um verdadeiro genocídio[6] em andamento não somente no lado da cidade em que trabalho, a zona mais pobre, mas nas áreas carentes das metrópoles brasileiras em geral. Tudo ou despercebido ou desprezado, velado, esquecido ou ignorado no habitus da prática forense criminal. É posto como natural, no ser-no-mundo[7] dos atores jurídicos submetidos ao senso comum teórico.[8]
E assim, tal realidade é gritante, mas, para os que estão imersos na cotidianidade, é menosprezada em sua dimensão violadora do Estado Democrático de Direito. São eles que acionam a máquina moedora de gente, fazem-na girar para perseguir e punir infrações como a que ora se aborda. É que como denuncia Heidegger, a cotidianidade tem a capacidade de anestesiar, de naturalizar, de embrutecer. Não há nada mais distante de nós, na cotidianidade, do que nossos próprios óculos.[9] É o ponto cego.
A reserva do possível às avessas
Poderíamos trabalhar com a ideia de reserva do possível[10] como meio de produzir resultados que protejam de modo mais efetivo a vida humana. A concepção de reserva do possível, no caso que lhe deu origem no direito alemão (“numerus clausus”), conduz a uma escolha sobre o que é mais razoável de ser protegido dentro de uma situação de impossibilidade de suprimento de interesses que não podem ser compatibilizados em razão de circunstâncias concretas.
Dentro de uma ideia de reserva do possível, as instâncias competentes do sistema de investigação criminal – à frente o Ministério Público – atuam cientes de que sempre estão fazendo escolhas, de modo a perseguir prioritariamente determinadas infrações penais em detrimento de outras, que devem, inclusive, ser estancadas ou arquivadas, e que não se trata de prevaricação, mas de racionalidade político-administrativa visando a efetivação dos direitos fundamentais de maior relevo.
Mas o ator jurídico preso na cotidianidade, no dia-a-dia, perde o referencial da normatividade e da realidade social que a atravessa(ria). Torna-se incapaz de fazer as escolhas constitucionalmente mais adequadas em um ambiente de constante crise – no qual não há como se proteger todos os bens jurídicos. Cria-se uma reserva do possível às avessas, no qual o mínimo existencial é desprezado em detrimento de meros direitos patrimoniais. Há um pacto silencioso pela morte.
O formalismo da práxis jurídica assume um importante papel no processo de insensibilização dos atores jurídicos. Ele ocasiona o distanciamento da realidade social e desumaniza o processo, convertido em um hermetismo fundado em rituais que se reproduzem por mera tradição irrefletida. Pessoas viram números e a facticidade se transforma em teses, tudo sob uma ordem utilitarista, estranha à normatividade. O formalismo, enfim, é razão instrumental para que a barbárie impere. E a despersonalização – enquanto efeito do formalismo – não é um fenômeno atua somente sobre os atores jurídicos nas suas relações com o que há de humano nos autos. Imersos nesse contexto, eles também sofrem seus efeitos: imaginam-se despersonalizados, afinal, seriam o Estado – e não eles mesmos – agindo dentro de uma ordem corporativa.
Embora o ator jurídico seja o fator determinante na reprodução de uma ordem violenta, o formalismo gera a sensação de diminuição da responsabilidade pessoal em razão das suas escolhas. Uma explicação para essa sensação talvez esteja no fato de que as responsabilidades legais e éticas individuais terminam por se diluir no conglomerado, em que cada ser humano se funcionaliza, transforma-se em uma espécie engrenagem dentro da grande máquina da burocracia estatal. Assim como Arendt aponta em Eichmann in Jerusalem, é o espaço da burocracia que desumaniza o homem e dessignifica a barbárie.[11] Os atores jurídicos estatais podem até não perceber seu papel primordial nesse estado de coisas ou darem de ombros a ele, mas estão diretamente implicados. Assim, quem não é parte da solução é parte do problema. Não por menos anota Legendre que “o jurista é exatamente isto: o especialista, no seu lugar e no que lhe compete, de uma manipulação universal para a ordem da Lei. Ele próprio ignora isso, pois seu saber está aí para propagar a submissão, e nada mais”.[12]
Sintoma das escolhas que interessam a poucos e do desprezo à dignidade dos estratos inferiores é a tortura no Brasil. Tornou-se método de atuação ordinária das forças policiais porque foi banalizada, e isso só foi (e é) possível com a conivência de uma parcela do Judiciário e do Ministério Público.[13] Essa impunidade é tão flagrante que podemos chegar ao seguinte raciocínio: levando em consideração que os dados oficiais mais recentes[14] apontam que no Brasil havia 218 pessoas presas por tortura e, anualmente, morrem 130 pessoas atingidas por descargas elétricas de raios; e que a pena mínima prevista para a prática do crime de tortura (art. 1º da lei. 9.455/97) é de dois anos, conclui-se que é mais provável alguém morrer atingido por um raio do que cumprir pena por tortura no Brasil.[15]
No Rio Grande do Norte, por exemplo, segundo as mesmas estatísticas oficiais, não havia uma pessoa sequer cumprindo pena por tortura. Mas o estado de exceção está vivo nas periferias brasileiras, ardendo e barbarizando como técnica de governo (enquanto controle e domínio) das camadas oprimidas.[16] Conter a revolta. Criminaliza-la, se possível, pois é meio de legitimar, naturalizar e encobrir a opressão. E como no mito da caverna, de Platão,[17] corre riscos reais quem desvelar o que representam essas sombras aos que estão na escuridão cavernosa do senso comum teórico. Da histeria até o ódio visceral.
Por onde andam as licitações no transporte coletivo?
Há, nesse caso paradigmático hoje trazido à coluna para dissecação, aliás, uma questão que destaca ainda mais a miopia do senso comum teórico: não somente a suposta empresa-vítima da ação penal ora tratada, mas todas as empresas que exploram economicamente o transporte coletivo na cidade de Natal (e creio, também, em muitas capitais e cidades de grande porte do país) – que, formalmente, possam se alegar vítimas de estelionato em casos como este, curiosamente, atuam ao alvedrio não meramente da lei, mas própria Constituição. Elas prestam o serviço de transporte público nesta capital a título precário – mesmo passados quase 30 anos da Constituição. A mesma Carta que determina que empresas que prestam serviços públicos precisam fazê-los mediante prévia e ampla licitação.
Tais empresas se mantêm precariamente há décadas sem a devida submissão aos ditames legais. A falta de concorrência pública causa inegáveis prejuízos ao Erário Público e aos que necessitam de transporte público – os mais carentes. Não é por dois e vinte. É por milhões.
Sistema de Justiça: o novo e implacável cobrador dos ônibus
Também é de saltar aos olhos a situação existente nos autos da referida ação penal – qual seja a da tutela pública de interesses meramente patrimoniais de empresa privada. As empresas de transporte coletivo, aliás, com a intenção de cortar custos, demitiram seus cobradores. Eram eles que fiscalizavam in loco e na hora e evitavam a utilização indevida de carteira de estudante por quem não o seja – como no caso ora sob reflexão. Inegável que a extirpação do cargo de cobrador dos veículos diminuiria a fiscalização, mas também aumentaria a capacidade de lotação dos ônibus com o incremento do espaço antes reservado ao cobrador, agora ocupado por seres humanos não raro tratados como sardinhas enlatadas, nos horários de pico.
Sob a ótica do capitalismo de mercado, claro que as empresas projetavam que, sem cobradores, eventuais usos indevidos de carteira de estudante, bem como de passageiros burlando o pagamento da entrada, iriam ocorrer. Também é claro que esses fatos, convertidos em estatísticas, estavam na contabilidade atuarial para que se demitissem todos os cobradores. Houve um cálculo de utilidade entre perdas e ganhos. Não há espaço para o humano na mercadológica. Definitivamente, não há, no horizonte racional-economicista, nenhum argumento que não o econômico – aumento do lucro pela redução de despesa – para a extinção do posto de trabalho de cobrador de ônibus.
Aliás, hoje o motorista é também caixa, guiando e, ao mesmo tempo, passando troco. Homem-máquina, máquina-homem. Máquina bípede (Seiyès). Claro que é mais econômico para as corporações que atuam no transporte coletivo. Não se importe, são apenas negócios porque como diz o adágio, no amor e nos negócios vale tudo. Mas não é por amor. O que sobra no real é a insegurança para a população com um motorista dividindo a atenção da pista com o troco dos passageiros.
Assim, se as corporações que precariamente atuam no transporte coletivo de muitas e muitas cidades não precisam mais gastar com cobradores, justificam-se economicamente ainda mais as demissões porque sempre estarão lá a polícia, o Ministério Público e o Judiciário para tutelarem interesses puramente pecuniários e sem expressão social nenhuma, mas servindo como razão instrumental para criar o estigma e coisificar o indivíduo selecionado, transformado exemplo – como bode expiatório – para gerar temor e garantir o lucro com o corte de postos de trabalho. Os novos “cobradores”, por assim dizer, são pagos pelo Erário Público agora. E como o cobertor não faz vez a tudo, deixa-se a descoberto o essencial e se cobre o inútil, isto é, escolhe-se sacrificar os direitos fundamentais mais caros ao convívio em sociedade – inclusive o direito à vida.
Portanto, é inevitável: o mesmo Estado que sobra à defesa de interesses do poder econômico falta à defesa da vida. O valor não compra nem um Chicabom na praia, mas dá azo ao funcionamento da precária máquina estatal. Enquanto isso, centenas e centenas de inquéritos por homicídio arquivados todos os anos por falta da investigação mais básica. Isso é inaceitável num Estado Democrático de Direito. Essa cotidianidade precisa ser verdadeiramente denunciada.
Por óbvio, absolvi sumariamente a acusada, denunciada não por milhões, mas por dois reais e vinte centavos.

Notas e Referências:
AGAMBEN, Giorgio. State of Exception. Chicago: The University of Chicago Press, 2005, p. 2-3).
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WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito I: interpretação da lei: temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994.
[1] HERMES, Ivenio; DIONISIO, Marcos. Do homicímetro ao cvlímetro: a plataforma multifonte e a contribuição social para a segurança pública. Natal: Ed. dos Autores, 2014.
[2] STRECK, Lenio Luiz; SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Do direito penal do inimigo ao direito penal do amigo do poder. Revista de Estudos Criminais, ano XI. n. 51. p. 33-60. São Paulo: ITEC; SÍNTESE, out.-dez. 2013. Uma cópia escaneada do texto pode ser encontrada aqui:http://www.rosivaldotoscano.com/2014/03/do-direito-penal-do-inimigo-ao-direito.html. Alguns dos casos com que me deparei e citei no texto: furto de 02 latas de leite em pó no valor de R$ 15,98 – bens restituídos; furto tentado de dezessete calcinhas no valor individual de R$ 2,99 – bens restituídos; furto de uma galinha, quatro câmaras de ar, dois aros de bicicleta e um pneu de bicicleta (galinha e bens devolvidos); furto mediante escalada de cinco cartões bancários (devolvidos); furto tentado de 22 barras de chocolate, num valor venal de R$ 98,50 – bens restituídos; furto tentado de dois quilos de carne de charque e uma lata de azeite de oliva, avaliados em R$ 42,90; porte ilegal de uma munição percutida e não deflagrada; porte ilegal de uma munição .380, um coldre e um carregador vazio; porte ilegal de três munições .38; receptação de um chip de celular e suspeita de mais oito; dano qualificado pelo amasso de um portão de um posto de saúde; dano qualificado – arranhão em um orelhão da OI; dano qualificado – acusado que tentou fugir de cela superlotada; tentativa de furto de 5 desodorantes e um esmalte; furto qualificado tentado, pois o acusado foi encontrado dormindo embaixo de uma das mesas do salão, agarrado a um saco preto onde se encontravam duas garrafas de uísque, uma da marca Teacher e outra da Bells. O conteúdo “subtraído” (leia-se “tomado”) foi avaliado em R$ 50,00; furto tentado de um botijão de água mineral vazio (o acusado apanhou da vítima, uma jovem senhora); furto tentado de 10 frascos de desodorante, no valor total de R$ 89,90, das Lojas Americanas.
[3] SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Discurso sobre o sistema penal: uma visão crítica. In Revista dos Tribunais. São Paulo: revista dos Tribunais, 2007, vol. 861, p. 466-482. Uma cópia escaneada do texto pode ser encontrada aqui: http://www.rosivaldotoscano.com/2010/03/discurso-sobre-o-sistema-penal-uma.html.
[4] BLOCH, Ernst. Derecho natural y dignidade humana. Madrid: Dykinson, 2011, p. 318.
[5] Bourdieu concebe o habitus como sendo uma matriz de pensamento que faz a mediação entre os condicionamentos sociais e a subjetividade dos sujeitos. O habitus condiciona – consciente ou inconscientemente – a identidade social, atua na formação das crenças e, por consequência, direciona o agir do sujeito social. Como ele assevera, “Cada agente, quer ele saiba ou não, quer ele queira ou não, é produtor e reprodutor de sentido objetivo: porque suas ações e suas obras são o produto de um modus operandi do qual ele não é o produtor e do qual não tem o domínio consciente, encerram uma intenção objetiva’, como diz a escolástica, que ultrapassa sempre suas intenções conscientes”. Cf. BOURDIEU, Pierre. Sociologia. Tradução de Paula Monteiro e Alicia Auzmendi. São Paulo: Ática, 1983, p. 72.
[6] A ideia de genocídio se apresenta como factível em razão das características estereotipadas das suas vítimas: jovens do sexo masculino, mestiços, residentes das periferias pobres e com predomínio de dependência química e/ou histórico de crimes contra o patrimônio.
[7] Mundo em Heidegger não é o mundo como sinônimo de planeta. É uma totalidade (limitada) porque posso falar do meu mundo, do mundo de meu bairro, de minha cidade de meu país. Do meu mundo enquanto cultura a que pertenço. O mundo aqui é visto como uma totalidade de sentido. Heidegger demoliu o paradigma da filosofia da consciência, que acreditava na separação entre o sujeito do conhecimento e seu objeto porque desde sempre esse “sujeito” é “assujeitado” pelo mundo.  Ele desaparece para dar lugar ao que Heidegger denominou de Dasein, um neologismo a partir do das ein, que em alemão significa algo como ser-aí. Um ser-aí porque é um ser que está lançado em um mundo que lhe é anterior e cuja história lhe condiciona (facticidade).
[8] É esclarecedor o apontamento feito por Luis Alberto Warat, que cunhou a expressão “senso comum teórico dos juristas”, quando diz que “Nas atividades cotidianas – teóricas, práticas e acadêmicas – os juristas encontram-se fortemente influenciados por uma constelação de representações, imagens, pré-conceitos, crenças, ficções, hábitos de censura enunciativa, metáforas, estereótipos e normas éticas que governam e disciplinam anonimamente seus atos e decisão e enunciação. […] Um máximo de convenções linguísticas que encontramos já prontas em nós quando precisamos falar espontaneamente para retificar o mundo, compensar a ciência jurídica de sua carência”. Cf. WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito I: interpretação da lei: temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994, p. 13.
[9] “Para quem usa óculos, por exemplo, que, do ponto de vista do intervalo, estão tão próximos que os ‘trazemos no nariz’, esse instrumento de uso, do ponto de vista do mundo circundante, acha-se mais distante do que o quadro pendurado na parede em frente” (HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 155).
[10] KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
[11] “Of course it is important to the political and social sciences that the essence of totalitarian government, and perhaps the nature of every bureaucracy, is to make functionaries and mere cogs in the administrative machinery out of men, and thus to dehumanize them.” (ARENDT, Hanna. Eichmann in Jerusalem: a report on the banality of evil. New York: Penguin Books, 2006, p. 289).
[12] LEGENDRE, Pierre. O amor do censor: ensaio sobre a ordem dogmática. Rio de Janeiro: Forense Universitária: Colégio Freudiano, 1983, p. 44-45.
[13] O protocolo de Istambul, que deveria ser aqui ratificado, é ilustre conhecido da Magistratura e do Ministério Público brasileiros. Nem mesmo o Conselho Nacional de Justiça entendeu sua real dimensão, de modo a transformá-lo não em resolução, que obrigaria cumprimento, mas em mera recomendação.
[14] BRASIL. Ministério da justiça. População Carcerária – Sintético: 2012. Disponível em:http://portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID={E1B3F584-BDCA-471E-9C9A-9B4AC0AE3170}&ServiceInstUID={4AB01622-7C49-420B-9F76-15A4137F1CCD}. Acesso em: 13 jan. 2015.
[15] MANAUS é a cidade com maior número de mortos por raios. Globo.com. Fantástico, Rio de Janeiro, 07 fev. 2010. Disponível em: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1480575-15605,00.html. Acesso em: 13 jan. 2015.
[16] “Faced with the unstoppable progression of what has been called a “global civil war,” the state of exception tends increasingly to appear as the dominant paradigm of government in contemporary politics. This transformation of a provisional and exceptional measure into a technique of government threatens radically to alter—in fact, has already palpably altered—the structure and meaning of the traditional distinction between constitutional forms. Indeed, from this perspective, the state of exception appears as a threshold of indeterminacy between democracy and absolutism”. (AGAMBEN, Giorgio. State of Exception. Chicago: The University of Chicago Press, 2005, p. 2-3).
[17] PLATÃO. Diálogos. vol. IV. República. Tradução para o espanhol de Conrado Eggers Lan. Madri: Editorial Gredos, 1988, p. 342.


Rosivaldo Toscano Jr. é doutorando em direitos humanos pela UFPB, mestre em direito pela UNISINOS, membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, membro da Associação Juízes para a Democracia – AJD e juiz de direito em Natal, RN.    
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Imagem Ilustrativa do Post: Cash // Foto de: 401(K) 2012 // Sem alterações

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