Golpe de Estado? No... La garantía soy yo!
O Paraguai sempre foi conhecido entre nós por ser atrasado
econômico, social e politicamente. E foi um dos últimos países a se
redemocratizar na América Latina, o que ocorreu em 1989, depois de 35 anos de
ditadura de Alfredo Stroessner. Muito ainda falta para que sua nascente democracia
se consolide. O que assistimos nos últimos três dias foi um sintoma da
fragilidade institucional da antiga República Guarani.
Fernando Lugo quebrou a
hegemonia política de mais de 60 anos do partido Colorado, o mesmo que, agora,
conseguiu derrubá-lo ao obter o apoio do Partido Liberal, do vice-presidente Federico
Franco.
Bem ao estilo das republiquetas, buscou-se um pretexto para o
uso abusivo e autoritário da maioria política. Criou-se um factoide – no caso, a
morte de 17 pessoas em um evento envolvendo disputa de glebas, em um país em
que o latifúndio impera – e, a partir daí, junto com outras acusações genéricas
de “má gestão”, criou-se um simulacro de impeachment.
Com efeito, reza a Constituição do Paraguai, em seu artigo
225, que o impeachment pode ter por fundamento, como alegado pelos seus algozes,
o “mau desempenho de suas funções”. Diz, também, que o juízo de admissibilidade
da acusação será feito pela Câmara dos Deputados (o que ocorreu na
quinta-feira), por maioria de dois terços. E o julgamento, pelo Senado, também
por maioria de dois terços (o que se deu no dia seguinte!).
Interessante como a imprensa hegemônica brasileira não
perdeu tempo em aderir. A alegação é de “legalidade” (sic) do impeachment,
afinal de contas, cumpriu-se o que determina a Constituição, como já ocorreu em
nossa recente história. Alto lá! Alto lá!
Aqui, já havia a lei 1.079/50, que previa um procedimento com garantias e prazos razoáveis, criação de comissões prévias de análise da plausibilidade da acusação,
ampla defesa ao presidente, ampla publicidade e, inclusive, interregnos mínimos
de tempo em algumas etapas. Isso para que se evite, a todo custo, julgamentos açodados
e apaixonados. Duração razoável do processo não quer dizer julgamento sumário. Razoável
é o prazo que permita uma reflexão substancial sobre o que se deve deliberar. Se
para a feitura de uma lei ordinária se exige o cumprimento de etapas e prazos,
que dizer do afastamento definitivo de um Presidente da República democraticamente
eleito? Democracia é coisa séria.
Ao contrário do Brasil, o Paraguai não possui uma lei detalhando
o processamento do impeachment. Contudo,
a própria Constituição paraguaia prevê, em seu art. 17 – que trata dos direitos
processuais –, que, no processo penal ou em qualquer outro juízo condenatório,
toda pessoa tem direito a comunicação prévia e detalhada da acusação, bem como
dispor de cópias, meios e prazos indispensável para a preparação da sua defesa.
Não somente isso, o Paraguai foi um dos signatários da Convenção
Interamericana dos Direitos Humanos, também conhecida com Pacto de São José da
Costa Rica, que determina, entre outras coisas, que toda pessoa tem direito a ser
ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, com comunicação
prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada, e com a concessão ao
acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa.
O que o legislativo paraguaio fez? Na falta de um rito,
resolveu (pasmem) não adotar rito algum! Assim, criou-se um tribunal de exceção
para um julgamento sumário. O presidente sofreu acusações genéricas e teve, tão
somente, 16 horas para tentar preparar sua defesa! As súplicas para extensão
desse prazo não foram acolhidas.
A falta de previsão de um procedimento para o impeachment exigiria, no mínimo, a
aplicação analógica de um rito acusatório existente em lei, como o já previsto
no recente código de processo penal paraguaio. Mas não. Complicaria. O desprezo
para com a Constituição era tão grande que não se poderia perder a
oportunidade. O bom era aproveitar o final de semana para por as massas em casa
e arrefecer os ânimos de eventual reação popular. E quanto mais rápido melhor. É
cumprir a máxima de Maquiavel: o bem se faz aos poucos. O mal, de uma vez só.
Assim, essa decisão autoritária de acusar, instruir, julgar e afastar um presidente
democraticamente eleito em 24 horas é golpe em qualquer lugar do universo.
Mas tem coisas no Paraguai que são de outra dimensão...
O mal parece distante. Mas, mesmo nos lugares mais iluminados, sempre há frestas onde as sombras dominam... A democracia é algo caro e frágil. A história nos ensina que o mal exemplo deseduca e contamina. Um golpe como esse anima o fascista que há adormecido em cada ser humano... Convém não despertá-lo. A reação da comunidade internacional, em especial dos vizinhos sul-americanos, portanto, tem que ser de reafirmação da democracia.
O Paraguai da muamba; das drogas; dos carros
brasileiros roubados e lá que transitam; das desigualdades sociais; das
oligarquias e da pobreza, reafirma-se. É a perversão do Estado de Direito. É o Estado
Cínico. Questionado, o vice-presidente, beneficiado pelo golpe, defendeu esse estado de coisas. Golpe de Estado? No. La garantía soy yo!
*Rosivaldo Toscano Jr. é juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD
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*Rosivaldo Toscano Jr. é juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD
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Muito bom esse artigo principalmente pelos esclarecimentos legais, que os vizinhos desse país fiquem espertos para a moda não pegar.
ResponderExcluirEsther Silva
Eu adorei a descripçao mecanica das feramentas constitutivas para ganrantir a democracia. Si nao tem essas feramentas é uma vontade politica de nao ter elas...
ResponderExcluirQuem realmente governa Paraguaiquer afastar democarcia. Quem tem poder la quer consevar esse poder. Mais so basta lembrar Etienne de la Boetie em "Le discours de la servitude volontaire" " o discurso da servidumbre voluntaria" como pode a vontatde de um so se impoer em todos? os todos so precisam perceber o poder deles ... e o poder Paraguiao nao poderia se impoer..... 1549 é so ler
Jean Marie França