A "Coisa"
*res furtiva: latim: coisa furtada.
Há muitos anos, quando um colega – hoje veterano titular na capital – ainda era juiz em uma das comarcas do sertão paraibano, deparou-se com um caso de furto noturno ocorrido dentro do Mercado Público da pequena cidade.
A autoridade policial, um sargento nomeado provisoriamente como delegado de polícia e que sequer tinha formação universitária, instaurou o inquérito policial e nele narrou a subtração da “coisa” e que a subtração da “coisa” tinha se dado na calada da noite. O ladrão teria escalado a parede no Mercado durante a madrugada e retirado a “coisa” do box de um dos feirantes.
“Coisa” vai, “coisa” vem, eis que foi concluído o inquérito e um sujeito acabou indiciado. Mas nos autos o delegado sempre se referia à “coisa” que, aliás, não havia sido encontrada.
O juiz fez vista dos autos ao Ministério Público. O promotor informou que não havia como propor ação penal contra o indiciado sem que soubesse o que danado seria a tal coisa. Seria uma coisa própria ou de terceiro? Uma coisa inútil ou valiosa? Enfim, que coisa seria?
O magistrado então proferiu o seguinte despacho:
“Retornem os autos à delegacia de polícia para que o ilustre delegado descreva, de maneira COMPLETA e PRECISA, a res furtiva.”
Os dias se passaram. E nada do inquérito voltar. Ao final do prazo, recebeu os autos com um requerimento do delegado:
“Solicito ao Doutor mais 30 dias para cumprir a diligência, pois está difícil descrever a res furtiva.”
O juiz estranhou a dificuldade em cumprir somente aquilo, mas sabendo das limitações técnicas do delegado, concedeu a extensão do prazo.
Dias depois, retornam os autos. O delegado escreveu:
“Procedi a inúmeras diligências visando descrever de maneira completa e precisa a res furtiva, conforme a determinação judicial.
Conversei com Seu Ranulfo, o dono da banca no mercado, mas ele, infelizmente, não soube dar maiores detalhes sobre a res furtiva. Nem lembrava como a res era. Falou apenas que quando comprou a res furtiva, já tinha a intenção de matá-la.
Fui conversar com seu João Neto, que a vendeu. Ele disse que tinha algumas reses na sua propriedade, mas estava precisando de dinheiro e resolveu vender aquela res...
Descrição da res furtiva, conforme determinação judicial: antes de ser vendida e abatida pelo marchante ela era sadia, vacinada, mansa, mocha e branca com manchinhas pretas. Atendia pelo nome de Mariposa e botava pouco leite.
Detalhe: o ladrão não conseguiu furtar a res furtiva inteira não, doutor. Uma res daquele tamanho pesava demais. Foi só um pernil da bichinha.”
Eita, que essa foi boa! Era esse causo que faltava pra finalizar o livro? Pois vai fechar com chave de ouro!
ResponderExcluirObrigado, Danielle.
ResponderExcluirAinda tenho mais alguns bons.
E estou recebendo email com colegas contando suas histórias para que eu as transforme em novos "causos". O livro promete!
Abraço.
Hahaha...Que coisa, não?
ResponderExcluirEssa foi ótima!
FP.