Em defesa da Xenofobia - "São Paulo para os Paulistas"*



Nos últimos dias foram vistas várias manifestações na internet insultando nordestinos, por parte de uma insignificante, mas barulhenta minoria. Esse fenômeno sectarista e xenofóbico parece ter eclodido das profundezas de nossa sociedade após a campanha eleitoral. Fui pesquisar e encontrei inclusive um movimento intitulado “São Paulo para os Paulistas” que possui até blog na internet. E diz o manifesto desse movimento:
"Quantas vezes você, paulista, presenciou cenas de desrespeito praticado por migrantes?
Invadirem espaços, agirem como se estivessem em sua terra. Imporem sua cultura e costumes à nossa vontade. Inundam nosso estado, exigem serviços, põem-se de 'vítimas', apagam nossa identidade. Assim somos desrespeitados. E dentro da nossa terra!
Não bastando, acham-se no direito de proibir o paulista de opinar sobre o tema. Se contrariados, já querem acusar de “conceitos prévios” e denunciar. Impuseram a nós que era um tema proibido, e nós aceitamos isso até hoje.
Porém, estes artifícios sutis usados para nos calar, não são próprios de um sistema democrático. Surge então a idéia de reunir em um Manifesto, o pensamento dos paulistas, não ouvidos e sem espaço na Mídia e pelas autoridades."
Vieram-me algumas dúvidas sobre a identidade desse movimento. O que caracteriza ser paulista? Ter nascido no estado de São Paulo? O que o distingue dos demais outros povos? O que diferencia um migrante de um imigrante? Gostaria de fazer um exercício de volta no tempo e pensar um pouco.
Primeiro: o Brasil não foi “descoberto” por Cabral. Foi invadido. Havia muita gente morando e vivendo aqui, cara-pálida. E basicamente dois grupos indígenas ocupavam a região que hoje chamamos São Paulo: os Tupi-Guaranis e os Jês. Esses são os verdadeiros donos do pedaço, viu? Estão aqui há pelo menos dez mil primaveras. Antiguidade é posto, todos sabem. Italianos, alemães, Japoneses? Nada disso. Vieram a menos de duzentos anos.
Segundo: há um mito sobre a honrosa origem dos imigrantes europeus. Ao contrário do que se pensa, o europeu que veio pra cá fugia da fome, da guerra, da miséria e da falta de oportunidades na Europa. Não veio gente na primeira classe, pois saibam. Nossos antepassados cruzaram o Atlântico nos porões e na terceira classe dos navios, em péssimas condições de salubridade, não muito melhores do que as dos irmãos negros que sofreram até aportarem em nossas terras. Muitos morreram na longa viagem até aqui. O mesmo se deu com os japoneses. E vieram por gosto próprio. Os únicos que poderiam dizer que foram trazidos a contragosto foram os africanos.
Assim, alio-me a todos os que defendem São Paulo para os paulistas. Viva aos verdadeiros paulistas: os Tupi-Guaranis e os Jês!
Defendendo os legítimos donos do pedaço, lanço agora, portanto, um segundo manifesto, o mais fiel manifesto de “São Paulo para os Paulistas”, dirigido EXCLUSIVAMENTE aos que compartilham do primeiro manifesto.
Fora todos os forasteiros que desrespeitaram a cultura indígena, invadiram espaços, agiram como se estivessem em sua terra; buscaram, ao invés da mandioca, impor a pizza e o sushi. Ao invés do cauim, introduziram uma bebida amarga chamada cerveja.
Esses forasteiros impuseram sua cultura e costumes à nossa vontade indígena. Inundaram nosso estado com asfalto e cimento impermeáveis, encheram nossas terras de agrotóxicos e nossos lindos vales de automóveis. Nossa garoa agora é infestada de monóxido de carbono. Enfim, apagaram a identidade indígena. Assim, fomos desrespeitados. E dentro da nossa terra!
Vamos começar tomando de volta o Anhangabaú e o Ibirapuera, e as cidades que ainda conservam nossos nomes indígenas: Caraguatatuba, Guarapari, Guaratinguetá, Ipiranga, Itatiaia, Pindamonhangaba, Sorocaba, Apiaí, Araçatuba, Araçoiaba, Araraquara, Ariranha, Arujá, Atibaia, Avanhandava, Avaré, Bauru, Bertioga, Birigui, Boituva, Borá, Borborema, Botucatu, Buritama, Guaíra, Guapiará, Guará, Guaraçaí, Guarantã, Guararapes, Guaratinguetá, Guariba, Guarujá, Guarulhos, Iacanga, Ibaté, Ibirarema, Ibitinga, Igaraçu, Igarapava, Indaiatuba, Ipauçu, Ipeúna, Ipuã, Irapuã, Itajobi, Itapetininga, Itapeva, Itapevi, Itapira, Itu, Ituverava, Jacareí, Jaguariúna, Jaú, Jundiaí, Mairiporã, Mauá, Moji-Guaçu, Moji-Mirim, Morungaba, Nhandeara, Nuporanga, Pacaembu, Paraibuna, Paranapanema, Pindamonhangaba, Piracaia, Piracicaba, Pirassununga, Piratininga, Sorocaba, Tabapuã, Tabatinga, Taiaçu, Aiuva, Taquaritinga, Taubaté e Votuporanga. Depois será a vez do resto.
Se você não usa cocar - isto é, já foi corrompido pelos forasteiros e deixou de ser paulista - ou pior, é descendente de alemão, italiano (como eu sou), português e japonês, vá embora agora!
Mas ir pra onde?
Se você não tem a cidadania da terra de seus ancestrais (minha esposa pelo menos estará a salvo, pois tem a italiana), não tente ir, pois certamente será deportado. Se tornará, finalmente, um sem-terra!
Quer então uma sugestão de um lugar para ir? Vá para o Nordeste. Tenho certeza de que lá será recebido como um irmão, como um legítimo brasileiro.





* Abusei da ironia nessa crônica porque apesar de ser grave a questão, não há como levar a sério tais posicionamentos xenofóbicos. Aproveito para mandar um abraço à imensa maioria dos paulistas que não compartilham dessa visão xenofóbica e preconceituosa, bem como aos queridos parentes e amigos paulistas, e aos colegas da magistratura de São Paulo que tanto honram a toga que vestem, em especial aos membros da Associação Juízes para a Democracia - AJD - da qual faço parte.

Comentários

  1. esse texto arrasou! concordo "somente" 100% com o que vc escreveu... os únicos brasileiros " de verdade" são os índios... e pode acreditar que a maioria de nós temos não só sangue deles,mas tb de negros e brancos. Brasil da miscigenação e ao mesmo tempo de preconceito. vai entender!

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  2. Verdade, Danielle. Falou com propriedade.

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  3. Parabens Rosivaldo. Texto brilhantíssimo.
    Já repassei pra todos meus amigos.
    E você ainda é esse menino? Que coisa linda!!! Jovens como você fazem a gente acreditar que o mundo tem jeito.
    Um abração meu querido.
    nirtes

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  4. Meu nome é Mirtes e não Nirtes
    No comentário anterior entrei como anônimo porque não estou conseguindo entrar com URL.
    Meu mail é: mircol@oi.com.br

    Mirtes Colombera

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  5. Sem comentarios, falou com propriedade.

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  6. Rosivaldo, ótimo texto, como de costume. Apenas me questiono se às vezes não damos muita importância aos comentários discriminatórios de alguns babacas e terminamos divulgando suas idéias.

    É verdade que seu texto é muito fechado e exigiria muita estupidez, para atiçar o preconceito regional. Mas, por outro lado, quem além de um autêntico estúpido, poderia nutrir esse tipo de pensamento?

    Resumindo: sei lá, entende?

    abraços

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  8. Obrigado pelas palavras de todos.
    Em relação ao que disse Rafson, entendo a preocupação dele. Em todo caso, acho importante realizarmos a discussão.
    Prever a dinâmica social é complicado. Movimento sociais de extremismo começam aos poucos, em pequenos grupos.
    Tivemos vários exemplo no Brasil recentemente, e não somente contra nordestinos, mas homossexuais, mendigos e outros grupos de minoritários e oprimidos também.
    Olho para trás e vejo o caso da sociedade alemã. Ela prova que a racionalidade humana não é assim tão forte quanto imaginamos. Na Europa atual, e principalmente na Itália, estamos assistindo a uma onde totalitarista que ainda vai causar sérios problemas mais à frente, notadamente se a crise econômica piorar.
    E não podemos subestimar as nossas sombras, nosso lado negro. Todos temos, como já bem salientou Jung. E é somente através da reflexão permanente que podemos evitar o crescimento de tais movimentos dentro de nós e, consequentemente, da sociedade em que vivemos.

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  9. Interesting! Eu não me canso de repetir isto. Apenas com uma ressalva. Não tenho certeza se depois de São Paulo haver desfeito de uma nordestina, bahiana e usado como uma prostituta se eles terão essa recepção... Temos que pagar para ver...

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  10. Interessante o Manifesto dos Paulistas.
    É preciso respeitar a Democracia, e a vez do outro falar.

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  11. SÃO PESSOAS DO SEU GABARITO QUE FAZ DESSE PAÍS SER GRANDE.ME ORGULHO DE SER PARTE DE SUA REGIÃO.
    O MARAVILHOSO NORDESTE.NORDESTE DE ARIANO SUASSUNA,JORGE AMADO,j. DE ALENCAR, JOÃO CABRAL DE MELO E NETO,CLARICE LISPECTOR, MANOEL BANDEIRA,CHICO ANISIO, AUGUSTO DOS ANJOS NÃO HÁ ESPAÇO PARA BOTAR OS GÊNIOS QUE FIZERAM E FAZEM A CULTURA DESSE PAIS

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  12. Interessante, Rosivaldo. O que vc disse eu digo sempre por aqui no Rio Grande do Sul. Nunca falta por estas bandas um bairrista disposto a proclamar a separação do RS, como que num Revival dos tempos da revolução Farroupilha. É como eu sempre digo a estes gauchões: - "posentão" que se devolva esta terra aos guaranis, aos Charruas e aos minuanos, seus legítimos donos!

    Falando nisso, é mui triste a história destes povos indígenas. O Rs sempre foi palco de muitos conflitos... Fizeram tratados e até revolução (ou melhor, tentaram...) de um lado os espanhóis, de outro os portuguese, de outro os jesuítas, de outros os índios, sem falar na banda oriental... depois chegaram os alemães, polacos, italianos... E o que restou de nossos índios? No RS os seus descendentes vivem verdadeiramente na 'às margens' da sociedade. Nunca faltam crianças pedindo esmolas em sinaleiras... triste, mui triste....
    Um abrço

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  13. Prezado Rosivaldo Toscano, Grata pelas verdades expostas em seu texto. Como paulista, paulistana, verdadeira brasileira,descendente de Tupi-Guaranis eu e minha família, agradecemos.
    Leia o link abaixo que postei em seguida as eleições de 2010.
    http://mudancaedivergencia.blogspot.com/2010/11/difamacao-entre-os-povos-pos.html
    Abraços Fraternos
    Marilda Oliveira - SP

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  15. Não vejo nada de errado nesse manifesto. Eles apenas estão praticando seu direito de expressar aquilo que pensam. Sei o que os paulistas sentem, pois aqui no sul esta começando esta mesma onda migratória de pessoas oriundas do Nordeste.

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  16. Matilde Carone Slaibi Conti11 de abril de 2014 às 01:31

    Ideias claras, lúcidas e que muito bem retrataram o que seja a xenofobia. Parabéns.

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