Tortura: Fatores Individuais e Sociais - Uma Reflexão


Há poucos dias sentenciei dois acusados de tráfico e vi indícios contundentes, pelo menos em relação a um deles, de espancamento por parte de policiais militares. Inclusive sequer foi interrogado na delegacia porque necessitou ser internado no hospital. Condenei o outro, mas o que teria sido torturado foi inclusive absolvido, pois ficou comprovado que ele não contribuiu para a prática do crime. Até mesmo o Ministério Público pediu isso nas alegações finais.
Essas sevícias são comumente relatadas e encaminhadas ao Ministério Público, como urge fazer, para investigação.
Para quem estuda criminologia, existe uma teoria chamada de "Teoria das Subculturas Criminais". É como se houvesse um código próprio dentro de determinados grupos e que, diante da falta de meios de controle social eficazes, solidifica-se.
Assim, entre a chamada "malandragem" há todo um cabedal de gírias, de posturas, de estilo de se vestir, de locais comumente freqüentados, de gostos musicais. Já em relação ao meio policial estadual com quem tenho contato mais próximo, é bem verdade que a maioria é honesta e respeitadora, mas também não podemos fechar os olhos para uma realidade: infelizmente, banalizou-se a cultura da brutalidade, a autoatribuição da função de sensor moral sobre os que a ela estão submetidos - invariavelmente pessoas das camadas mais desprotegidas - naquele momento verdadeiras vítimas de castigos físicos e psicológicos por parte de algozes travestidos de agentes públicos.
Paradoxal e contraditória é a conduta do chamado "agente da lei" que, a pretexto de cumpri-la, viola-a! A despeito do que diz a Constituição e a legislação penal, arvora-se na posição de supremo legislador, acusador, julgador e executor de sevícias e desumanidades.
Se verdadeiras ao menos uma parte das acusações que são amplamente relatadas nos meios de comunicação, somente dois fatores as explicariam: um social, que seria a existência dessa cultura da violência, reinante pela conveniência e conivência do Poder Público; e um individual, fruto de uma mente doentia, de uma personalidade antissocial, que sob a ótica psicanalítica se chamaria perversa. Estando ambos presentes, completa-se a barbárie.
Em relação ao fator social, cabe uma reflexão sobre os dados trazidos pelo “Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen”, do Ministério da Justiça. Lá consta o seguinte em relação ao Estado de São Paulo* (dados de junho de 2010):

População Carcerária: 173.060 presos.
Crimes Contra a Pessoa (homicídios e correlatos): 17.113 presos.
Crimes Contra o Patrimônio (roubo e furto, basicamente): 101.949 presos.
Crimes Contra os Costumes: 5.141 presos.
Crimes Contra a Administração Pública (peculato, corrupção passiva e concussão): 110 presos.
Crimes de Tortura (Lei 9.455 de 07/04/1997): 20 presos.

E em relação ao Rio Grande do Norte* (dados de junho de 2010):

População Carcerária: 6.043 presos.
Crimes Contra a Pessoa (homicídios e correlatos): 786 presos.
Crimes Contra o Patrimônio (roubo e furto, basicamente): 1526 presos.
Crimes Contra os Costumes: 138 presos.
Crimes Contra a Administração Pública (peculato, corrupção passiva e concussão): 4 presos.
Crimes de Tortura (Lei 9.455 de 07/04/1997): nenhum preso.

Nos demais estados da Federação não deve ser diferente.

Sob a ótica individual, a psiquiatria explica alguns comportamentos flagrantemente patológicos. Já sob a social, acho que precisamos, Judiciário, Ministério Público e Polícia, fazer a nossa parte.

* Os dados de todos os estados da Federação podem ser encontrados aqui: http://portal.mj.gov.br/transparencia/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm

Comentários

  1. Quando cheguei na Zona Norte, um membro do MP me avisou sobre dois policiais que, segundo ele, costumavam "plantar" drogas e torturar.
    Não tardou muito para me deparar com um destes casos.
    Com relação a estes e outros, desde 2008 já pedi o envio em dezenas de processos de evidências de tortura.
    Não é pouca coisa.
    Em quase todos os casos temos laudo de lesões do itep, depoimento de testemunhas e ausência de auto de resistência.
    Defendo acusados todos os dias que são condenados com bem menos.
    Os policiais que mencionei, se interessa, continuam na ativa, "protegendo" nossos filhos e esposas...

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  2. Mudar o mundo é impossivel, é o que a maioria diz, engole a dor, engole o ódio e tenta ser feliz.
    Mas se cada um de nós
    fizer sua parte, agente muda esse paiz.
    Pois, a união faz a força, unidos venceremos. Acredito em um mundo melhor.
    Bem aventurados os que tem cede e fome de JUSTIÇA porque todos seram fartos...

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  3. Mto bem colocado Dr. Tomei a liberdade de publicar no meu blog seu relato. Cordial abs.

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  4. Muito bom esse artigo Rosivaldo. Mostra muito bem a nossa realidade. Sabemos que existem bons policiais, mas alguns são péssimos.
    Hoje mesmo obtive um relato de minha faxineira, que mora em cidade nova, de que vários traficantes transitam livremente na comunidade, ameaçando moradores e contam com a conivência de policiais, que recebem dinheiro para manter o tráfico local. Uma moradora foi reclamar e teve sua casa cravejada de balas. Resultado: vendeu a casa e foi para bem longe! Lá impera a lei do silêncio e do medo. É realmente lamentável!
    Abraço.

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  5. infelizmente quem impera em toda a Natal é a bandidagem, o tráfico de drogas, pois a polícia prende, o vagabundo diz que apanhou da polícia, e nossas leis os protegem, absolvendo-os... Não é culpa do judiciário, tão menos das polícias, mas sim de toda sociedade, que elege deputados que criam essas leis para se proteger...

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