Direito Penal do Inimigo - Respostas a uma Jornalista


O senhor acha que o Direito Penal do Inimigo é uma forma moderna de se tentar diminuir a violência?

Acho interessante o pensamento de colonizado de uma boa parte da intelectualidade brasileira. Importa-se tudo, de pneus usados a idéias, e quando alguns tentam importar doutrinas estrangeiras produzidas num contexto completamente diferente do nosso, ocorrem contradições insuperáveis.
Acho que de modernidade a teoria nada tem. O inimigo, para Jakobs, é aquele que não quer fazer parte do Estado. É o outsider voluntário. Poder-se-ia até, no contexto alemão, de uma sociedade que viveu a modernidade e tem serviços públicos de qualidade e pouca desigualdade social,  em que as escolhas são muito mais livres e refletidas, conceber a existência de um inimigo. Um neonazista seria um, por exemplo.
Imagine-se trazer uma doutrina como essa para nosso país, que tem uma realidade de exclusão social tremenda, indevida e indesejada. O que precisamos é do inverso. De inclusão. Precisamos de um direito penal do amigo (amigo da Constituição). Há ainda, apesar do reconhecido avanço nos últimos anos, milhões de pessoas excluídas da sociedade e do exercício pleno da cidadania. Temos milhões de marginais. Precisamos, antes de tudo, tirá-los das margens e trazê-los para o seio da sociedade.
Numa perspectiva mais no ambiente da criminologia crítica, a teoria do direito penal do inimigo não passa de um embuste. Aproximar-se-ia mais da criminologia clássica e da idéia  do criminoso como alguém que escolheu as trevas à luz. Uma visão mítica.

Seria o direito penal a solução para o problema da criminalidade? Ou melhor: seria a criminalidade um problema social ou um sintoma de que algo anda mal com essa sociedade? Isto é, seria a criminalidade uma causa ou uma consequência de problemas sociais subjacentes (desigualdade, corrupção nas cúpulas, submissão a interesses estrangeiros...)? De toda forma, hoje soa ingênuo acreditar que endurecimento de penas e redução de garantias constitucionais resultam em pacificação social.
Violência, ontologicamente, é todo ato que fira a dignidade de alguém. Já temos violência demais partindo do centro para as periferias e da cúpula para as bases. O direito penal do inimigo, na prática, pela própria seletividade do sistema penal (leia sobre a teoria do labeling aproach), terminaria sendo o direito trucidador dos pobres. A perpetuação da opressão sob um revestimento de modernidade (tal qual a teoria das janelas quebradas que fundamentou o "tolerância zero" - hoje abandonado até mesmo nos EUA, diante do seu fracasso).

O Direito Penal do Inimigo não lhe parece ser extremamente radical?
Certamente. Reflete um simbolismo, pois cria mitos e não ataca os verdadeiros fatores que criam a criminalidade, terminando por ser um amplificador de violência. Não mais que isso. As camadas mais longe do poder é que seriam atingidas, como sempre ocorre. NÃO EXISTE DIREITO PENAL DO INIMIGO PARA QUEM É AMIGO DO PODER. Anote isso.

Se fosse colocado em prática, na sua opinião, qual o resultado para a sociedade?
Mais violência. Aumento do encarceramento e um ciclo vicioso de extremismos.

O senhor acredita que se um criminoso deixar de existir como cidadão para o Estado (como prega o Direito Penal do Inimigo), a situação da violência pode vir a aumentar ou diminuir?
Aumentaria. Como já dito acima, precisamos incluir os excluídos e não aumentar a exclusão já existente.

Em uma época que se prega a APAC ( em Macau está sendo erguido um prédio para os presos da Apac), para a ressocialização dos presos não é "loucura" imaginar que tente se difundir o Direito Penal do Inimigo, no mundo?


Não conheço a realidade alemã. No Brasil certamente seria uma política de segurança pública insana. Aliás, antes que de políticas de segurança pública (polícia, prisões e rondas) precisamos de mais políticas públicas de segurança (que assegurem direitos fundamentais individuais e sociais, incluindo saúde, educação, saneamento, transportes e moradia).

Em contrapartida, na sua opinião, o que deve ser feito para diminuir a violência?


Ter a consciência de que o direito penal não resolverá o problema da criminalidade. Além disso, temos que quebrar o paradigma de tratamento do direito penal como mera infração a bens jurídicos individuais e combater com ênfase, inteligência e planejamento a criminalidade econômica e organizada. Os grandes crimes, aqueles que efetivamente causam sérias prejuízos à sociedade, que desviam e mínguam milhões de reais dos cofres públicos e que mantém as desigualdades sociais não são cometidos por alguém usando armas. Usam canetas e gravatas, isto sim.
A questão é superar o ponto de imunização. E o que seria esse ponto? Imagine um cone girando. Sua força centrífuga segue uma matriz de projeção geométrica, crescente conforme se aproxima do ápice e do centro - o núcleo do poder e dos poderosos que o compõem. Quer um exemplo da existência desse ponto de imunização? Peço que pegue uma folha de papel em branco para você mesma por o nome de cinco políticos com foro por prerrogativa de função que tenham sido criminalmente condenados, nos últimos duzentos anos, no Supremo Tribunal Federal. Passe o dia pesquisando. Se conseguir preenchê-lo, dar-me-ei por vencido. Se não... Portanto, quem seriam os alvos do direito penal do inimigo em nosso país?

Comentários

  1. Bom dia, Dr.! Bem, garanto que não seria aquele “sujeito” que governou há dias o Estado de São Paulo. E que o Ministério Público apontou graves irregularidades no contrato da revista Nova Escola (grupo abril) com o governo de São Paulo. Esse, para o Direito Penal do inimigo, estaria fora de cogitação!

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  2. Belo texto, Jovem.

    O seu desafio é impossível de cumprir, você ganhou rss... o Direito Penal do Inimigo só alcança os frutos "podres", enquanto a raiz cresce forte... Infelizmente é a realidade.

    Mas.. Penso que o Direito Penal do Inimigo não é na totalidade nosso inimigo, aumentar as penas podem funcionar em alguns casos.
    Veja Bem: Crimes de desvio de verba pública, na maioria das vezes, causam mais danos na sociedade que muitos que são considerados hediondos. Qual são os motivos para esses crimes contra a sociedade (contra nosso dinheiro, nosso suor, nossa dignidade) não sejam hediondos?
    Imagino - talvez com inocência - que colocar esses crimes no patamar dos mais lesivos e condenáveis, ajudaria (pelo menos a curto prazo).

    O inimigo hoje é amigo, e quem era para ser amigo é visto como inimigo, para quem é dirigido o "Direito Penal do Amigo"? O "Direito Penal do Amigo" deve ser inimigo de quem é amigo do poder e inimigo da sociedade?

    abraçoss

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  3. Concordo com Rosivaldo. O caminho mais atual é aquele que ele também prega. Lamentavelmente, nossos alunos universitários estão muito doutrinados pela teoria da simples e impensada penalização. Rosivaldo, como Juiz, é um Advogado. Advoga boas causas, advoga o bem, advoga a compreensão, num mundo de juizes cada vez mais afastados do entendimento abrangente, e mais vinculados a produção numérica e aplicação de dispositivos legais injustificados. Parabéns, meu amigo, pelo artigo. Você é um cababom. :)

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  4. Fica claro que precisamos incluir os escluído e não aumentar a exclusão já existente não podemos limitar apenas a teoria da simples impensada tão logo, a divergem por motivos óbvio quando a sociedade não mais suporta conviver com a injustiça ficando claro que a corrupção ainda é a maior causa da incerteza dos poderes e dos poderos políticos, bem acreditam na luiz do fdia do que permeia na escuridão do incerto, não restam duvida que tudo pode os que precisam da justiça pouco pede, porque nada tem ainda assim, orgulha em ser brasileiro por saber que é fato acreditar no poder supremo.

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