Doutor Menino Buchudo
Ainda no início, idos de 2000/2001, estava como Juiz Substituto numa comarca de primeira entrância e começara também a responder por outra de segunda chamada Patu, cujo juiz anterior havia sido promovido. Na primeira semana de trabalho lá, deparei-me com a prisão de um sujeito chamado Juliano.
A acusação era de porte de arma, um crime de pouca gravidade naquela época, pois o fato se deu três anos antes do Estatuto do Desarmamento. Juliano não tinha sequer antecedentes e o crime era de detenção. Concedi-lhe a liberdade provisória. À noite voltei para a minha comarca.
No outro dia o delegado de polícia de Patu, doutor Fernando, amigo e contemporâneo de faculdade, liga-me dizendo que a soltura causou a maior celeuma na cidade, pois todos diziam que o rapaz era assaltante e que abriria um inquérito no qual o apontava como autor do roubo em um posto de gasolina realizado dois dias antes da prisão pelo porte de arma. Pediu que eu revisse a soltura.
Disse-lhe que não iria agir com arbitrariedade. Que ele concluísse a investigação do roubo e pedisse, se fosse o caso, a prisão preventiva, mas pelo porte de arma não manteria preso. Três dias depois o delegado veio à minha comarca com o inquérito e a representação pela preventiva. De lá saiu com a decretação e o respectivo mandado de prisão.
Na semana seguinte voltei a Patu para trabalhar. Despachei os feitos que havia, realizei audiências e ao final do dia, antes de voltar para minha comarca, resolvi dar uma volta na cidade para conhecê-la, e jantar, se encontrasse algum local que me interessasse.
Ao passar pela praça central, deparei-me com o delegado Fernando sentado a uma mesa de um trailer de lanches. Ele me acenou. Parei a caminhoneta, tirei a gravata e o blazer, arregacei as mangas da camisa e fui fazê-lo companhia.
De repente chega um sujeito embriagado. Era um comerciante da cidade. O trôpego sujeitos se dirigiu ao delegado:
- Doutor Fernando, meus parabéns pelo seu trabalho de prender os bandidos daqui, apesar de um juizinho com cara de menino que chegou aqui e que ainda não tive o desprazer de conhecer. O negócio desse “menino buchudo”* é soltar o povo... – O delegado olhou para mim com ar de riso e eu fiz um sinal para que ele não dissesse nada. – Copo de cerveja na mão, o comerciante continuou:
- E o Promotor? É outro menino buchudo. A cada palavra do juiz ele abana as orelhas. Tá nem aí. Tá vendo Juliano, aquela bandido safado que o senhor bem fez em prender? Esse juizinho menino buchudo foi logo botando na rua. Depois parece que criou veeeeergonha na cara – disse com ênfase – e o prendeu!
Foi então que me dirigi a ele e perguntei:
- O senhor como se chama?
- Jacaré.
- Mas o nome do senhor como é?
- Pode chamar de Jacaré mesmo.
- Pois senhor Jacaré, qual a sua idade?
- 56.
- Então lembra que na época da ditadura militar as pessoas podiam ser presas sem qualquer motivo? – ele balançou a cabeça em concordância, ainda sem saber quem era aquele rapaz que falava com ele – E continuei:
- Pois com a nova Constituição isso mudou. Agora não se pode sair por aí prendendo qualquer pessoa. Isso é um fato positivo, pois impede que qualquer pessoa, inclusive o senhor, seja preso por alguma autoridade arbitrária, por exemplo, porque ela não gosta do senhor. Quando soltei Juliano foi porque o crime do qual era acusado era somente um porte de arma. Depois então o doutor Fernando concluiu a investigação do assalto ao posto e por esse fato ele foi preso de novo.
Entre pálido e confuso, Jacaré fez menção de questionar quem eu era ao delegado e este meneou a cabeça positivamente, confirmando suas suspeitas...
Mal tentou se explicar, constrangido. Nem deu um minuto e apareceu uma mulher em igual situação de embriaguez. Era a esposa de Jacaré.
- Doutor Fernando! Meus parabéns por prender os bandidos, apesar de um juizinho novo que chegou na cidade, um menino buchudo... – mal terminou de falar e seu marido a puxou repentinamente pela camisa, quase a fazendo cair, e sussurrou algo em seu ouvido. Assustada, ela completa a frase:
- Um juizinho novo, maravilhoso e justo que está aqui ao lado – apontando pra mim!
* "Menino buchudo" é uma gíria nordestina. Significa alguém muito jovem e imaturo.
A acusação era de porte de arma, um crime de pouca gravidade naquela época, pois o fato se deu três anos antes do Estatuto do Desarmamento. Juliano não tinha sequer antecedentes e o crime era de detenção. Concedi-lhe a liberdade provisória. À noite voltei para a minha comarca.
No outro dia o delegado de polícia de Patu, doutor Fernando, amigo e contemporâneo de faculdade, liga-me dizendo que a soltura causou a maior celeuma na cidade, pois todos diziam que o rapaz era assaltante e que abriria um inquérito no qual o apontava como autor do roubo em um posto de gasolina realizado dois dias antes da prisão pelo porte de arma. Pediu que eu revisse a soltura.
Disse-lhe que não iria agir com arbitrariedade. Que ele concluísse a investigação do roubo e pedisse, se fosse o caso, a prisão preventiva, mas pelo porte de arma não manteria preso. Três dias depois o delegado veio à minha comarca com o inquérito e a representação pela preventiva. De lá saiu com a decretação e o respectivo mandado de prisão.
Na semana seguinte voltei a Patu para trabalhar. Despachei os feitos que havia, realizei audiências e ao final do dia, antes de voltar para minha comarca, resolvi dar uma volta na cidade para conhecê-la, e jantar, se encontrasse algum local que me interessasse.
Ao passar pela praça central, deparei-me com o delegado Fernando sentado a uma mesa de um trailer de lanches. Ele me acenou. Parei a caminhoneta, tirei a gravata e o blazer, arregacei as mangas da camisa e fui fazê-lo companhia.
De repente chega um sujeito embriagado. Era um comerciante da cidade. O trôpego sujeitos se dirigiu ao delegado:
- Doutor Fernando, meus parabéns pelo seu trabalho de prender os bandidos daqui, apesar de um juizinho com cara de menino que chegou aqui e que ainda não tive o desprazer de conhecer. O negócio desse “menino buchudo”* é soltar o povo... – O delegado olhou para mim com ar de riso e eu fiz um sinal para que ele não dissesse nada. – Copo de cerveja na mão, o comerciante continuou:
- E o Promotor? É outro menino buchudo. A cada palavra do juiz ele abana as orelhas. Tá nem aí. Tá vendo Juliano, aquela bandido safado que o senhor bem fez em prender? Esse juizinho menino buchudo foi logo botando na rua. Depois parece que criou veeeeergonha na cara – disse com ênfase – e o prendeu!
Foi então que me dirigi a ele e perguntei:
- O senhor como se chama?
- Jacaré.
- Mas o nome do senhor como é?
- Pode chamar de Jacaré mesmo.
- Pois senhor Jacaré, qual a sua idade?
- 56.
- Então lembra que na época da ditadura militar as pessoas podiam ser presas sem qualquer motivo? – ele balançou a cabeça em concordância, ainda sem saber quem era aquele rapaz que falava com ele – E continuei:
- Pois com a nova Constituição isso mudou. Agora não se pode sair por aí prendendo qualquer pessoa. Isso é um fato positivo, pois impede que qualquer pessoa, inclusive o senhor, seja preso por alguma autoridade arbitrária, por exemplo, porque ela não gosta do senhor. Quando soltei Juliano foi porque o crime do qual era acusado era somente um porte de arma. Depois então o doutor Fernando concluiu a investigação do assalto ao posto e por esse fato ele foi preso de novo.
Entre pálido e confuso, Jacaré fez menção de questionar quem eu era ao delegado e este meneou a cabeça positivamente, confirmando suas suspeitas...
Mal tentou se explicar, constrangido. Nem deu um minuto e apareceu uma mulher em igual situação de embriaguez. Era a esposa de Jacaré.
- Doutor Fernando! Meus parabéns por prender os bandidos, apesar de um juizinho novo que chegou na cidade, um menino buchudo... – mal terminou de falar e seu marido a puxou repentinamente pela camisa, quase a fazendo cair, e sussurrou algo em seu ouvido. Assustada, ela completa a frase:
- Um juizinho novo, maravilhoso e justo que está aqui ao lado – apontando pra mim!
* "Menino buchudo" é uma gíria nordestina. Significa alguém muito jovem e imaturo.
KKKKK. Excelente. Passei por situação semelhante com o juiz daqui. Estavam falando mal dele, e ele ao meu lado, sem ser reconhecido pelos falantes.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, Rosivaldo! Já rendeu boas risadas aqui no escritório...
ResponderExcluiréhh estudar e vencer é bom d++parabéns prof.
ResponderExcluir...o melhor é que você não perde nunca o humor e deixa sua marca em cada momento, duvido que alguém esqueça dessas situações. Muito bom!
ResponderExcluirkkkkkkkkkkk.. Mal consigo me controlar, muito engraçado! Que saia justa essa?!O bom é o seu humor.. Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirkkkkkk...Essa é boa....como dizia um professor meu na faculdade essa é pra levar pra sepultura....kkkk
ResponderExcluirCezimar - PAu dos Ferros