Da Série Paradoxos Penais - II



Legisnaldo é um estudante de direito com propensões para o cometimento de crimes. Só tem um problema: anda sempre com um vade mecum embaixo do braço e, por isso, não raras vezes termina vendo frustradas as possibilidades de iniciar uma bem-sucedida carreira criminosa, da forma inicialmente pretendida.
Decidido a entrar no mundo da criminalidade, resolve ganhar um dinheirinho extra, vendendo talco adulterado com farinha e viu que era bem mais barato fugir da burocracia e deixar de pagar as taxas para o registro no órgão de vigilância sanitária.
Eis que o jovem estudante guia seu automóvel com uma encomenda de vinte frascos de talco. E o faz com o maior cuidado, já que havia atropelado um homem dias antes (vide postagem anterior aqui). Mas o trajeto mais próximo do primeiro e futuro cliente - um mercadinho de subúrbio -, passa logo pela “Cracolândia” da cidade.
Nervoso ao ver uma viatura da polícia que fazia ronda pelo local, o rapaz entra rapidamente numa via marginal, o que acaba despertando suspeitas. É perseguido e parado.
- Fora do carro, rapá! – grita um dos policiais de arma em punho.
Legisnaldo sai. É logo posto na parede e revistado.
Ao ver uns frascos com um pó branco dentro, um soldado alerta:

- Sargento, tem uns vidros com pó aqui dentro. E entrega um dos frascos ao comandante da guarnição. O sargento então se aproxima e grita ao ouvido do universitário:
- O que tem aqui dentro deste vidro?
- É talco... responde Legisnaldo.
- Você aqui na Cracolândia com uns vidros cheios de pó branco e vem me dizer que são talco? É droga, rapá? Confessa logo! - Outros policiais se aproximam com cara de poucos amigos.
- Eu tenho como explicar, eu tenho como explicar! Mas antes preciso só ver uma coisinha – respondeu desesperadamente Legisnaldo. Como de costume, retirou debaixo da axila seu vade mecum. Foi olhar os tipos penais possíveis:
“Lei 11.343/2006:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, TRANSPORTAR, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer DROGAS, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (CINCO) A 15 (QUINZE) ANOS e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, AS PENAS PODERÃO SER REDUZIDAS DE UM SEXTO A DOIS TERÇOS, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
E depois foi conferir no Código Penal:
“Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
Art. 273. Falsificar, corromper, ADULTERAR ou alterar PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS:
Pena - reclusão, de 10 (DEZ) A 15 (QUINZE) ANOS, e multa. (...)
§ 1º-B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - SEM REGISTRO, QUANDO EXIGÍVEL, NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA COMPETENTE;”
O jovem estudante então engoliu a seco e respondeu:
- É cocaína, seu guarda. Não tenho dúvida. É COCAÍNA, e da cheirosa!

*Rosivaldo Toscano Jr. é juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD

Comentários

  1. kkkkkkk Essa série de paradoxos penais do nosso querido "legisnaldo" vai nos render ainda muitas risadas. rsrsrsr

    Esperando as Próximas.

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  2. isso mostra bem as contradições dos nossos códigos, né? mas esse cara não leva jeito mesmo... hehehehe!

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  3. Muito boa, a série! Tem me arrancado boas risadas e, o melhor, de forma inteligente.
    Parabéns pela criatividade e originalidade!

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  4. Meritissimo, o humor com que trata o tema faz da leitura desta serie uma das mais interessantes. Porém, mais do que isso, seus comentarios trazem à baila a necessidade urgente da atividade legiferante das leis penais e seus crimes, os quais, muitas vezes entram no nosso sistema legal por mera politica criminal, lobby ou interesses contrapostos da sociedade. Espero que V. Exc. continue trazendo discussões polêmicas e de relevo para todos nós que atuamos na area criminal. David Hayashida

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