"Cárcere é excludente e violento"



Segunda Parte da Matéria - Entrevista

Rosivaldo Toscano: "Cárcere é excludente e violento"
Publicação: 09 de Maio de 2010 às 00:00


Por que o senhor decidiu instituir a justiça restaurativa aqui no Estado?
O paradigma penal é puramente retributivo. O mal da pena pelo mal do crime. Embora digamos que a pena tem uma finalidade educadora para quem praticou um ilícito, na prática é puro castigo. O cárcere termina sendo excludente e violento, e ninguém melhora com exclusão e violência. E não nos damos conta de que tão somente trancando alguém não resolveremos nem o problema dele, nem o da vítima e muito menos da sociedade. É pior para nós quando um indivíduo que praticou um crime sai da cadeia pior do que entrou.

As taxas de reincidência estão aí para nos dar a certeza de que a prisão não educa, deforma. E a vítima termina sendo esquecida nesse contexto. Por isso tem grande importância a aplicação, sempre que possível, além da inevitável pena, da justiça restaurativa, como meio de reflexão, por parte de quem cometeu um crime, e de reparação e superação do trauma, por parte da vítima.

E como ficam as vítimas?
Passei a perceber que em muitos crimes, notadamente nos furtos e roubos, o que a vítima queria nem era tanto a punição, mas sim a reparação do dano patrimonial e a restituição de sua tranqüilidade. E esse dano patrimonial raramente era o mais importante. Insônia, depressão, síndrome de pânico e outras patologias mentais são relacionadas às vitimas, notadamente em casos em que houve violência ou grave ameaça.

Como a regra na vara criminal é a do julgamento na audiência, com vítima e réu presentes, comecei a ler sobre o tema e a experimentar a intermediação entre a vítima e o sentenciado, visando dar a oportunidade da vítima expor o que sentiu e o que ainda a aflige em relação ao fato, bem como ao condenado de ter uma noção do que é estar “do outro lado”. Colocar-se no lugar do outro é um importante passo para compreensão do fato que cometeu e, conseqüentemente, para a ressocialização de alguém.

Em quais condições é realizada a justiça restaurativa?
Explico à vítima a existência desse tipo de abordagem e informo que esse contato dá a oportunidade da vítima desabafar e superar o trauma, e de mostrar ao sentenciado como é ser vítima, sendo um processo humanizante e um momento de reflexão para ele. Tem que haver a adesão, senão vira mais um ato de violência, dessa vez estatal, contra a vítima.
Pergunto ao infrator, mas sempre após a sentença condenatória – para que haja sinceridade – se ele concorda nesse diálogo. De nada adianta um pedido de perdão sem sinceridade. Coloco-os então frente a frente. Primeiramente a vítima expõe como se sentiu.

Depois o acusado fala sobre o fato, quase sempre pedindo perdão expresso. Muitos já disseram que não tinham pensado antes como era estar do outro lado ou que poderia ser um parente dele ali. O acusado já foi condenado instantes antes. Por isso busco uma postura isenta e sem maniqueísmos. O acusado não está ali para ser execrado com apoio do Estado.

Os efeitos são positivos?
Para as duas partes. A vítima geralmente sai dizendo que não tem mais o medo que antes tinha do sentenciado. E o condenado reconhece sua culpa. Cumpre a pena e se regenera. Quando o acusado possui alguma condição financeira de reparar o dano, após a leitura da sentença condenatória e antes do diálogo entre vítima e acusado, promovo o acerto da preparação do dano.

Há casos em que não se aplica a justiça restaurativa?
Em algumas situações acho por bem não aplicar. Em crimes com violência sexual, sendo a vítima menor ou demonstrando o acusado algum tipo de rancor ou raiva. Essa exposição do encontro pessoal passaria a ser inócua para o sentenciado ou prejudicial à vítima.

O senhor é pioneiro nesta prática aqui no Estado?
Não tenho notícia deste trabalho na área criminal.

A justiça restaurativa só ocorre em varas criminais?
Não. Embora a seara penal tenha sido sua origem, é possível a aplicação em todas as situações em que tenha havido confronto entre pessoas. É passível de aplicação na Justiça da Infância e da Juventude e em Varas de Família, por exemplo.

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