Multa a Advogado Desidioso e Redução - Razoabilidade



"Portanto, no caso em tela, o abandono do processo restou plenamente evidenciado quando o advogado constituído pelo réu, ora requerente, não se pronunciou nos autos há mais de um ano e meio, apesar de devidamente intimado por duas vezes, tampouco apresentando renúncia ao mandato que lhe foi conferido. Foi tão somente após quase um mês após decisão de imposição da multa, em 25/09/2009, que o requerente se manifestou nos autos oferecendo as razões da apelação às fls. 494-495 e presente pedido de reconsideração da decisão de fls. 489-490, sem, contudo, justificar sua inércia por tão longo período.
Entretanto, é bem verdade que a multa aplicável decorrente da desídia do defensor é elevada, principalmente levando-se em consideração que o processo já está em fase recursal, razão pela qual entendo ser o caso de utilização do postulado da razoabilidade"


ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PODER JUDICIÁRIO
JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DO DISTRITO JUDICIÁRIO DA ZONA NORTE
Av. Guadalupe 2145 Conj. Santa Catarina, 2º andar, Potengi - CEP 59.112-560, Fone: 3615-4663, Natal-RN

Processo n.º (APAGADO)

Trata-se de pedido de reconsideração da decisão interlocutória na qual houve a imposição de multa, na forma do artigo 265 do Código de Processo Penal, ao requerente, Dr. (APAGADO), inscrito na OAB/RN sob o nº (APAGADO).
O requerente interpôs apelação em favor do réu (APAGADO) à fl. 391. Contudo, intimado para apresentar as razões do recurso, conforme publicação no Diário Oficial datada de 18/12/2007 (fl. 417), o defensor não se manifestou.
Novamente, em 12/08/2009, houve a intimação do requerente para a prática do ato pendente, conforme publicação no DJe (fl. 487), já com o alerta da possibilidade de aplicação da multa prevista no artigo 265, caput, do Código de Processo Penal, porém o advogado não se pronunciou, como informou a certidão de fl. 488v, datada de 27/08/2009.
Em conseqüência disso, foi proferida a decisão de fls. 489-490 aplicando multa no valor de 10 salários mínimos ao requerente em favor da FUMADEP (Fundo de Manuntenção e Reaparelhamento da Defensoria Pública do Estado) pela desídia daquele no patrocínio da defesa e conseqüente prejuízo não só a defesa do réu, como aos particulares e ao Poder Público em geral.
Inicialmente, alegou o requerente que sua inércia se dera desde a data de 18/12/2007, quando, intimado, não apresentou as razões recursais. Disse que como sua inércia se deu antes do advento da Lei nº 11.719/2008, que trouxe a inovação da aplicação da pena de multa ao defensor que abandonar a causa sem justificativa prévia ao juiz, e tal norma tem natureza penal, se deve obedecer ao princípio do artigo 5º, XL, da Carta Magna, isentando o causídico da multa fixada.
Afirmou que a prescrição no âmbito penal no tocante a pena de multa se encontra disposta no artigo 114, I, do Código Penal e que o prazo prescricional teria se exaurido, uma vez que a interposição do recurso de apelação se deu em 31/08/2007, a inércia do requerente ocorreu em 10/09/2007 e a decisão que fixou a aplicação da multa foi proferida em 15/09/2009. Assim, o lapso temporal de dois anos já teria transcorrido.
Contudo, tais alegações não merecem prosperar. Primeiramente porque a norma instituída pelo artigo 265, caput, do Código de Processo Penal não tem caráter penal, mas sim processual penal.
Comentando as Leis nº 11.690/2008 e 11.719/2008, Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto explicam:
"Saliente-se que as disposições penais contidas no estatuto novel possuem um caráter unicamente processual, não irradiando qualquer efeito de índole penal, capaz de configurar a chamada norma penal mista, assim considerada aquela que importa verdadeira simbiose entre os dois ramos do Direito mencionados."
Complementa então Andrey Borges de Mendonça sobre a aplicação da lei penal no tempo da Lei nº 11.719/2008:
"As disposições referentes ao procedimento comum e especial se aplicam imediatamente, pois são normas tipicamente processuais, nos termos do que dispõe o artigo 2º do CPP."
Assim, não há que se falar em aplicação do artigo 5º, XL, da Constituição Federal, mas sim no princípio do tempus regit actum, especialmente porque embora o causídico tenha sido intimado em 18/12/2007 para a prática do ato pendente, foi tão somente após sua segunda intimação, datada de 12/08/2009, e depois da vigência da Lei nº 11.719/2008, que sua inércia ensejou a decisão que fixou a multa em questão, razão pela qual pode ser aplicado o artigo 265, caput, do Código de Processo Penal à situação.
Além disso, o prazo prescricional disposto no artigo 114, I, do Código Penal em nada diz respeito à multa fixada, eis que o referido artigo trata de pena de multa, decorrente de infração penal, e não multa processual, como é a prevista no artigo 265, caput, do Código de Processo Penal, de forma que não teria ocorrido a prescrição alegada.
Defende ainda o requerente que a aplicação da multa em questão afrontou os princípios constitucionais do juiz natural, do devido processo legal e da ampla defesa, sendo o artigo 265, caput, do Código de Processo Penal, inconstitucional.
Nesse aspecto, é preciso salientar que a multa em análise não se confunde com as sanções que eventualmente possam ser impostas pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, uma vez que o artigo acima mencionado é explícito ao dispor que a imposição da multa se dá "sem prejuízo das demais sanções cabíveis", deixando claro que o advogado pode se sujeitar ainda a outras sanções perante a OAB. Não há, portanto, usurpação de competência do Poder Judiciário ao agir de acordo com o que impõe o referido dispositivo legal. Além disso, diante da intimação para apresentação das razões do recurso de apelação, sob pena de aplicação da multa, nada impedia o requerente de se manifestar nos autos comunicando que fosse reconsiderada a decisão que a gerou, o que foi feito pelo mesmo às fls. 496-502 dos autos. Assim, não se caracteriza a ofensa ao devido processo legal, direito de defesa e contraditório.
Ademais, o artigo 265, caput, do Código de Processo Penal, em consonância com o princípio da ampla defesa, visa garantir ao acusado o direito de ter sua defesa técnica desenvolvida pelo advogado por ele escolhido, de sua confiança, resguardando-o do abandono pelo seu defensor ao impor a este o dever de comunicar previamente seu afastamento do processo. Tal previsão legal visa também assegurar aos magistrados poderes para punir aquele causídico que se mostrar descompromissado com o Poder Judiciário em geral, em sentido próximo ao contempt of court, do direito americano.
Não bastasse isso, a tese da inconstitucionalidade do artigo discutido além de se tratar de um posicionamento isolado, não possui maiores repercussões na doutrina e na jurisprudência pátrias.
Portanto, no caso em tela, o abandono do processo restou plenamente evidenciado quando o advogado constituído pelo réu, ora requerente, não se pronunciou nos autos há mais de um ano e meio, apesar de devidamente intimado por duas vezes, tampouco apresentando renúncia ao mandato que lhe foi conferido. Foi tão somente após quase um mês após decisão de imposição da multa, em 25/09/2009, que o requerente se manifestou nos autos oferecendo as razões da apelação às fls. 494-495 e presente pedido de reconsideração da decisão de fls. 489-490, sem, contudo, justificar sua inércia por tão longo período.
Entretanto, é bem verdade que a multa aplicável decorrente da desídia do defensor é elevada, principalmente levando-se em consideração que o processo já está em fase recursal, razão pela qual entendo ser o caso de utilização do postulado da razoabilidade.
Em nosso dia-a-dia utilizamos a palavra razão em muitos sentidos. Pode indicar certeza (“estou com a razão”), lucidez (“não perdi a razão”), motivo (“fiz isso em razão daquilo”). A palavra razão tem duas origens: o latim ratio e o grego logos, em ambos têm o mesmo sentido: contar, reunir, juntar. E o que fazemos – reflete MARILENA CHAUÍ – “quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos? Pensamos de modo ordenado (...) Assim, na origem, a razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são”.
A proporcionalidade e a razoabilidade não são sinônimas, embora tenha objetivos semelhantes. Mas suas origens são diferentes. Leciona LUÍS VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA que a razoabilidade remonta a uma decisão jurisprudencial inglesa de 1948, nos seguintes parâmetros: se uma decisão é de tal forma irrazoável, que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a Corte intervir. Vê-se que a aplicação da razoabilidade é menos exigente que a proporcionalidade, que possui a tridimensionalidade adequação/necessidade/proporcionalidade em sentido estrito. E a Corte Européia dos Direitos Humanos decidiu reiteradas vezes pela desproporcionalidade de uma medida, não obstante a razoabilidade dela.
Recorremo-nos a HUMBERTO ÁVILA quando, ao descrever a hipótese de aplicação da razoabilidade, diz o seguinte:
"Há casos em que é analisada a constitucionalidade da aplicação de uma medida não com base em uma relação meio-fim, mas com fundamento na situação pessoal do sujeito envolvido. A pergunta a ser feita é: a concretização da media abstrativamente prevista implica a não realização substancial do bem jurídico correlato para determinado sujeito? Trata-se de um exame concreto individual dos bens jurídicos envolvidos, não em função da medida em relação a um fim, mas em razão da particularidade ou excepcionalidade do caso individual. (...) A razoabilidade determina que as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão."
É importante salientar dois pontos na razoabilidade: a) deve-se verificar como paradigma o que ocorre no dia-a-dia, e não o extraordinário; b) deve-se considerar, além disso, as peculiaridades da situação frente à abstração e generalidade da norma. Verifica-se que os dois elementos acima culminam no entendimento de razoabilidade como antagônica à arbitrariedade e respeitando a justiça do caso concreto, isto é, a eqüidade. Assume-se, assim, um dever de consistência e coerência lógica. HUMBERTO ÁVILA cita como exemplo o caso de uma pequena indústria de móveis que foi excluída da classe de empresa de pequeno porte, irrazoavelmente, por ter feito a importação de quatro pés de sofá, uma única vez, já que havia uma lei que excluída daquela classe as empresas que importassem produtos.
Na razoabilidade a relação é entre critério e medida. Na proporcionalidade, meio e fim. Consoante WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, na razoabilidade “objetiva-se verificar se a resultante da aplicação da norma geral (que é uma norma constitucionalmente válida) ao caso individual é razoável, não-arbitrária.”
Portanto, num juízo de reavaliação entendo que não seria justo e adequado para a situação em concreto que a multa fosse aplicada no seu grau ordinário (mínimo do décuplo do salário mínimo).
Estipulo, assim, como razoável, levando em consideração que houve realmente o abandono, mas que o processo já estava em fase recursal e que após a imposição da multa o ato foi praticado, reduzir o valor para o equivalente a quatro salários mínimos.
Igualmente, deixar de cobrar a multa seria atentar contra a dignidade da Justiça e fazer tábula rasa a lealdade e boa-fé processuais, incentivando a desídia, desprestigiando quem atual de maneira célere e eficiente.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Natal/RN, (APAGADO).


Rosivaldo Toscano dos Santos Junior
Juiz de Direito

Comentários

  1. Dr., após ler essa postagem (decisão) posso dizer que tive uma aula em pleno período de férias.

    Um abraço.

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