CRIME COMUM, SERVIDOR PÚBLICO E MAJORANTE


"Não estava no exercício da função pública e muito menos razão dela. Um servidor fora do trabalho é um cidadão comum, devendo por isso ser tratado igualmente, nem com vantagens e nem desvantagens. Sem ônus e nem bônus.
E não me venham com argumentos moralistas de que um servidor público teria que ter maiores cautelas em cumprir a lei, pois CUMPRIR A LEI É DEVER DE TODOS, IGUALMENTE, PARTICULAR OU SERVIDOR PÚBLICO. Separar as pessoas em razão de sua função, e tão somente por ela, é confundir o fazer com o ser, é incidir no direito penal do autor e não do fato, residindo aí mais uma violação à Constituição. O que desejo é um legislador ordinário mais racional. Se não o tenho, tenho a Constituição como guardiã da cidadania."

Sentença


EMENTA: Penal. Processual Penal. Porte ilegal de arma de fogo. Acusado servidor público, mas fora do exercício de suas funções. Desclassificação para porte ilegal de arma, do caput. Delito tipificado no art 10, caput, da lei 9.437/97. Advento do prazo prescricional. Prescrição da pretensão punitiva estatal.

Trata-se de denúncia proposta pelo Ministério Público em face do réu em epígrafe, pelo crime tipificado no art. 10, § 4º da lei 9.437/97.

QUESTÃO PRÉVIA – QUALIDADE DE SERVIDOR PÚBLICO DO ACUSADO

É bem verdade que a referida lei foi revogada pela 10.826/2003, mas por ser mais favorável ao agente, continua tendo aplicação.
Contudo, no presente caso necessito fazer um juízo hermenêutico constitucional da regra prevista no § 4º do art. 10. Diz ela o seguinte: 

Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa.
(...)
§ 4° A pena é aumentada da metade se o crime é praticado por servidor público.

Trata-se de majorante em crime que nem é próprio e nem de mão própria. É um crime comum.
É bem verdade que o Superior Tribunal de Justiça, em jurisprudência de 2003, assentou o seguinte:
"O § 4.º da Lei n.º 9.437/97 não condiciona que a causa de aumento de pena seja determinada pela prática do delito em razão da função ou de o agente ter se valido do fato de ser servidor público" (REsp 476461/SP, 5ª Turma, Relator Ministro GILSON DIPP, in DJU de 29/09/2003, p. 314).
Contudo, respeitando a posição do STJ, entendo contrariamente, pois entendo que a filtragem hemenêutico-constitucional da regra acima não admite sua validade, uma vez que contraria um dos mais importantes princípios constitucionais, que é exatamente o da Isonomia. E diz a Constituição Federal: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”
Assim, não posso admitir que um servidor público e civil, ainda mais, fora do horário de trabalho e não se utilizando de sua função (era assessor parlamentar e servidor público do INATERN, prestando serviços em Natal, como diz a Denúncia), ainda que no calor dos embates políticos, possa receber uma reprimenda mais gravosa.
Não estava no exercício da função pública e muito menos razão dela. Um servidor fora do trabalho é um cidadão comum, devendo por isso ser tratado igualmente, nem com vantagens e nem desvantagens por isso. Sem ônus e nem bônus.
E não me venham com argumentos moralistas de que um servidor público teria que ter maiores cautelas em cumprir a lei, pois CUMPRIR A LEI É DEVER DE TODOS, IGUALMENTE, PARTICULAR OU SERVIDOR PÚBLICO. Separar as pessoas em razão de sua função, e tão somente por ela, é confundir o fazer com o ser, é incidir no direito penal do autor e não do fato, residindo aí mais uma violação à Constituição. O que desejo é um legislador ordinário mais racional. Se não o tenho, tenho a Constituição como guardiã da cidadania.
Assim, desclassifico a infração para a descrita no art. 10, caput, do CP. E aí incide a prescrição.

DA PRESCRIÇÃO

O fato ocorreu em 29 de novembro de 2000.
A pena máxima cominada ao tipo é 2 anos de detenção, e multa, de modo que a prescrição se dá em 4 anos, consoante art. 109, V, do Código Penal.
Desde o recebimento da denúncia, em 09.10.2002 (fls. 31), até o presente momento, já se passaram 7 ANOS E 9 MESES.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, desclassifico a infração para a descrita no art. 10, caput, do CP, e com fundamento nos arts. 107, IV, e 109, V, ambos do Código Penal, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE, EM RAZÃO DA PRESCRIÇÃO, de (APAGADO), em relação ao(s) fato(s) objeto do presente processo.
P.R.Intimem-se, inclusive por edital, se necessário.
Ciência ao Ministério Público.
Transitada em julgado, arquive-se, com baixa na distribuição.

São Miguel, 06 de julho de 2010.

Rosivaldo Toscano dos Santos Júnior
Juiz de Direito

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