Grupos de Extermínio

Ainda durante a faculdade li um bom livro sobre grupos de extermínio. Trata-se do "Meu depoimento sobre o esquadrão da Morte". Conta a luta travada entre o então Promotor de Justiça Hélio Bicudo e o grupo comandado pelo então Delegado Fleury.
Repugno a máxima do "bandido bom é bandido morto", até porque se bandido é quem comete crimes, quem o mata também está no mesmo patamar. Desejo vida a todos, para quejam julgados pelos fatos que cometeram. advirto que quem executa está se substituindo ao papel do Estado, colocando-se na posição de acusador e julgador. Nem preciso dizer para onde isso pode descambar.

Em recente sentença, coloquei o seguinte trecho:


VIOLAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - ALERTA SOBRE A ATUAL SITUAÇÃO NA ZONA NORTE
Vivemos uma difícil realidade na Zona Norte de Natal. São tantas as denúncias que vemos nos meios de comunicação, corroboradas pelos testemunhos aqui colhidos, que comecei a me questionar acerca da legalidade, para não dizer constitucionalidade das inúmeras prisões e apreensões em virtude de denúncias anônimas. E passei a observar que o script é, quase que invariavelmente, o mesmo: diz a polícia que recebeu denúncia anônima de que determinada pessoa estava traficando. Dirigem-se ao local e visualizam o cidadão entrar em casa, geralmente correndo com algo na mão. Numa situação de suspeita, pedem permissão para entrar na casa a um morador e são atendidos ou a porta estava aberta. Alguns confessam que entraram à força mesmo, pois tinham visto a droga com o suspeito. Imagino quão difícil não deve ser avaliar se era realmente droga que estava o suspeito trazendo consigo. Foram inúmeros testemunhos dando conta de abusos de autoridade, extorsões, lesões corporais envolvendo tais tipos de abordagem policial, crescentes a cada dia. Há policiais atualmente presos pela 11ª Vara Criminal, acusados de tortura. Qual credibilidade passa a ter o trabalho policial para mim e, acredito, para o Ministério Público, para a Defensoria Pública e, principalmente, para a sociedade, depois de tantas denúncias? Só para dar uma dimensão do que assisti recentemente nos meios de comunicação, em relação à Zona Norte: <http://www.nominuto.com/noticias/policia/grupo-de-exterminio-pode-estar-envolvido-em-morte-de-mulher-de-traficante/48477/>; <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/pm-patrulhava-area-sem-autorizacao/142222>; <http://tribunadonorte.com.br/noticia.php?id=103573>; <http://janildoarante.blogspot.com/2009/10/pms-sao-presos-em-servico-na-zona-norte.html>; <http://www.nominuto.com/noticias/policia/pms-sao-presos-sob-acusacao-de-torturarem-usuarios-de-drogas/40381/>. Passei a me questionar com muito mais atenção acerca da licitude dos flagrantes de tráfico de drogas que aqui me chegam. Diz a Constituição Federal, em relação à questão: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; (...) LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; (...) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; (...) LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; Nesse momento, para mim urge identificar qual tipo de processo penal quero praticar, e quais direitos estarei eu garantindo através da atuação da Potestade Pública pelo Poder Judiciário. Com efeito, o trabalho de um juiz não em muito diferencia do executado pelo historiador. Como não presenciei os fatos, reproduzo em momento posterior, numa cadeia dos significantes que elejo como os mais importantes para produzir uma imagem mental do ocorrido, a historicidade dos fatos, para concluir qual a repercussão jurídico-penal que a eles devo atribuir. Para isso, preciso-me valer das provas colhidas durante a instrução, provas essas que devem repercutir um juízo de convencimento, após a filtragem hermenêutico-constitucional (significa dizer respeito pelo devido processo legal, pelo contraditório e ampla defesa, presunção de inocência, licitude das provas, etc.). O que me intriga, por ora, é o comum fato de que as drogas são apreendidas com base em denúncia anônima, sem mandado judicial prévio. Num Estado verdadeiramente Democrático, o juiz aplica o direito e o processo penais garantindo ao acusado o respeito aos seus direitos fundamentais. Um deles é o de não sofrer coação com base em denúncias anônimas. A relevância disso é grande, pois impede que haja abusos ou manipulações. E alguém pode perguntar como é que a polícia vai trabalhar? Ora, é fácil para uma boa parcela da população cobrar maior eficiência da polícia, pois usualmente estão imunizados de possíveis abusos cometidos sob o pálio do denuncismo sem rosto. Nesse país, aliás, tem sido tônica a existência de três classes de pessoas, tal qual alertado por Roberto Damatta: o cidadão, o sobrecidadão e o subcidadão. O primeiro é aquele que cumpre seus deveres e pode cobrar seus direitos. O segundo é aquele que não necessita do Estado, mas aufere deles vantagens não muitas vezes indevidas, e que pela proximidade do poder, imuniza-se contra o Estado Polícia, pois não raras vezes faz parte dele. Por fim, temos o subcidadão, ou subintegrado, que necessita do Estado, mas só conhece dele o Estado Polícia que não raras vezes o agride ou, finalmente, mata-o. Por isso me preocupa esse efienciencitismo. Não devo esquecer que a inquisição seguia um roteiro de delatores sem rosto, envoltos em sobras, e foram essas sombras responsáveis pela morte de centenas de milhares de pessoas (estima-se que somente na Alemanha, durante esse período do terror religiosos, cem mil foram queimadas na fogueira). Visando evitar tais posturas, nossa Constituição elegeu entre um dos seus princípios o de que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato." (CF-88, art. 5º, IV). Em recente decisão, entendeu o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, César Asfor Rocha, no HABEAS CORPUS nº 159.159 - SP (2010/0004039-3), o seguinte: Cumpre observar que o sistema jurídico do País e o seu ordenamento positivo não aceitam que o escrito anônimo possa, em linha de princípio e por si, isoladamente considerado, justificar a imediata instauração da persecutio criminis, porquanto a Constituição proscreve o anonimato (art. 5º, IV), daí resultando o inegável desvalor jurídico de qualquer ato oficial de qualquer agente estatal que repouse o seu fundamento sobre comunicação anônima, como o reconheceu o Pleno do STF no julgamento do INQ 1957, Rel. Min. Cézar Peluso (DJU de 11.11.2005), ainda que se admita que possa servir para instauração de averiguações preliminares, na forma do art. 5º, § 3º, do CPP, ao fim das quais se confirmará – ou não – a notícia dada por pessoa de identidade ignorada ou mediante escrito apócrifo. Nesta Corte Superior a orientação dos julgamentos segue esse mesmo roteiro, destacando dentre muitos e por todos o que decidido no HC 74.581 (Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 10.03.2008) e no HC 64.096 (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 04.08.2008). E como acentua Alexandre Morais da Rosa, em http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/2010/03/trafico-sem-mandado.html, “Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida, a priori, como verdade, nem justifica qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação preliminar e, se for o caso, requerer-se ao Juízo competente, o respectivo mandado de busca e apreensão, apresentando-se as investigações preliminares. Claro que se verificar alguma das hipóteses do art. 302, I ou II, do CPP, estará autorizada a agir. Mas esta ação precisa estar autorizada anteriormente, ou seja, o flagrante não pode ser pressuposto, mas deve estar posto, a saber, não se pode achar que há droga e se adentrar. É preciso que a droga tenha sido vista anteriormente ou sua entrega ou mesmo a venda, situação diversa da presente.” E prossegue: "Não basta que o agente estatal afirme que recebeu uma ligação anônima, sem que indique quem fez a denúncia, nem mesmo o número de telefone, dizendo que havia chegado droga, na casa do acusado, bem como que "acharam" que havia droga porque era uma traficante conhecido, muito menos que pelo comportamento do agente "parecia" que havia droga. É preciso que hajam evidências ex ante. Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional por violação do domicílio do acusado. Embora seja uma prática rotineira a violação da casa de pessoas pobres, porque a polícia não entra assim em moradores das classes ditas altas, não se pode continuar tolerando a arbitrariedade. Desde há muito se sabe – e os policiais não podem desconhecer a lei – que não se pode entrar na casa de ninguém – pobre ou rico – sem mandado judicial, salvo na hipótese de flagrante próprio, o qual não existe com denúncia anônima. Nem se diga que depois se verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia contaminação pela entrada inconstitucional no domicílio. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (Processo Penal e Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 92) aponta: "Em conclusão, só é possível o ingresso em domicílio alheio nas circunstâncias seguintes: à noite ou de dia, sem mandado judicial, em caso de flagrante próprio (CPP, art. 302, I e II), desastre ou prestação de socorro; e durante o dia, com mandado judicial, em todas as outras hipóteses de flagrante (CPP, art. 302, III e IV). Reconheço que a falta de estrutura do sistema investigatório brasileiro, tornando inviável o contato próximo e a tempo com a autoridade judiciária, possa fazer com que o entendimento exposto se transforme em mais um entrave burocrático à persecução penal. Não é essa a intenção, mas não se pode aceitar que a doutrina fique à mercê da boa-vontade dos governantes para dotarem a polícia dos recursos técnicos e humanos necessários para o desempenho da função." Assim é que não se pode tolerar violações de Direitos Fundamentais em nome do resultado, pois pelo mesmo argumento seria legítima a "tortura", a qual, no fundo não é tão diferente da ação iniciada exclusivamente por "denúncia anônima", à margem da legalidade e com franca violação dos Direitos Fundamentais. (...) Qualquer um agora pode plantar droga em quem quiser e depois ligar para polícia denunciando anonimamente o depósito de drogas no terreno e a polícia, sem mais, vai até o local, sem mandado, e prende o proprietário. Não dá para tolerar isto! (...) Claro que o argumento seguinte é: mas o proprietário autorizou a entrada! Será que alguém acredita mesmo que o acusado autorizou? Não há verossimilhança, ainda mais com a constante acolhimento jurisdicional desta prática, mormente em se tratando de crime permanente, como de tráfico. A prevalecer esta lógica, a garantia do cidadão resta fenecida. Ana Maria Campos Tôrres (A busca e apreensão e o devido processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 153-154) sustenta: "Ora, sabendo que alguém tem em depósito drogas, vende droga, ou outras situações de permanência é que pode, conforme a Constituição, penetrar em domicílio sem o consentimento do morador. Sabe, logo tem indícios que permitam solicitar ao juiz o mandado, imprescindível contra o abuso. Não basta a mera desconfiança, pois corre o risco de responder por descumprimento da lei, logo, impossível considerar válida a apreensão nesses casos, sem ordem judicial. Seria, como o é de fato, fazer vista grossa aos abusos policiais (..) Como entender urgente o que se protrai no tempo? É possível, graças à presença diuturna do Judiciário guardião da lei, requerer e ser atendido em pouco tempo, o direito constitucionalmente previsto de entrar em domicílio. A facilidade do arguir-se urgência é forma espúria de desconhecer direitos, é subterfúgio para o exercício de força, é descumprimento do dever de acatar as diretrizes políticas assumidas pelo Estado. Impossível legalizar o ilícito. Deve, nestes crimes chamados permanentes, especificamente por durarem, não se reconhecer a urgência do flagrante próprio, pois nem se evita sua consumação, nem se impede maiores consequências, e, sobretudo, arrisca-se sequer determinar a autoria, interesse maior nesses casos. O argumento de urgência deve fundamentar pedido à autoridade judiciária, inclusive, modos legais de realização. Nada impede o respeito à intimidade nessa hipótese. (...) No caso do flagrante em crime permanente, vê-se com muita frequência não só o descumprimento da lei, mais que isto, um caminho perigoso a permitir retornem as más autoridade o modelo inquisitorial, buscando provar a qualquer custo, não se preocupando com mais nada, senão com a punição pela punição." (...) Cabe destacar julgado relatado pelo Des. Geraldo Prado, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Criminal n. 2009.050.07372, uma verdadeira aula de como se deve proceder na garantia de Direitos Fundamentais: 'O ingresso não pode decorrer de um estado de ânimo do agente estatal no exercício do poder de polícia. Ao revés, é necessário que fique demonstrada a fundada – e não simplesmente íntima – suspeita de que um crime esteja sendo praticado no interior da casa em que se pretende ingressar e que o ingresso tenha justamente o propósito de evitar que esse crime se consume. Se assim não fosse, seria permitido ingressar nas casas alheias, de forma aleatória, até encontrar substrato fático, consistente em flagrante delito, capaz de ensejar a formal instauração de procedimento investigatório criminal. Mais que isso, seria incentivar que a autoridade policial assim fizesse e, com a intenção de se livrar de uma eventual imputação de abuso de autoridade, "encontrasse" à força o estado de flagrância no domicílio indevidamente violado.' Por tais razões, diante das condições em que a droga continua sendo apreendida neste país, em franca violação dos direitos fundamentais, a prova deve ser declarada ilícita, especialmente nos casos de ilegal denúncia anônima, bem assim quando a atuação dos policiais acontece sem mandado judicial, implicando, pois, na ilegalidade da apreensão da droga e, por via de consequência, da ausência de materialidade. Agora não se pode é se acovardar em nome do resultado. A função do Judiciário é de garantia!”.

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