Tabelião Insistente

Por envolver despesas às vezes vultosas, o casamento religioso somente é celebrado quando os nubentes possuem uma certa condição financeira. No interior esse fato ganha contornos ainda mais relevantes face à religiosidade da população. Via de regra, somente quando não se vislumbra a possibilidade de arcar com as despesas da cerimônia religiosa é que optam pela celebração perante a autoridade judicial, no chamado casamento “no civil”.
Esse fato ocorreu no interior da Bahia, nos idos de 2002. Uma juíza recém empossada foi celebrar a cerimônia. Estava com pressa, haja vista a pauta daquele dia. Havia até um réu preso, algemado, esperando seu interrogatório, lá fora. E a sala de audiências estava cheia, formando os populares um semi-círculo em torno do birô da juíza. Eram em torno de umas trinta pessoas. Preocupada, de um lado, e de boa vontade, em suprir a lacuna da celebração religiosa, e do outro, com a necessidade de não atrasar as inúmeras audiências judiciais daquela manhã, começou a tergiversar sobre a importância do matrimônio, dirigindo-se a um jovem casal que estava de pé à sua frente, de mãos dadas.
Poucos instantes após, o tabelião começou a gesticular discretamente. A jovem magistrada fez um sinal indicando que esperasse. E continuou a oratória, enumerando os deveres dos cônjuges.
Todos em silêncio, apesar do tabelião, que continuava pedindo um aparte, insistentemente. A juíza, já intrigada, parou a oratória e perguntou:
- O que há, senhor Cláudio?
- Doutora, é que os noivos são esses aqui – afastando delicadamente para a frente da magistrada dois senhores de meia idade que haviam, timidamente, postado-se ao lado da juíza.
Encabulada, a magistrada então pediu desculpas e continuou, dirigindo-se aos verdadeiros noivos. E relatou a história do matrimônio, dizendo que se tratava de instituição histórica, e que todos os povos, em todas as épocas, celebraram a união formal entre marido e mulher.
Dentro em pouco, já estava empolgada novamente. Discursou por uns quinze minutos. E o final, pontificou, dirigindo-se ao noivo:
- Senhor João Francisco da Silva, aceita casar com a senhora, Maria do Carmo Jaguaribe?
O homem apenas olhava para a juíza. Imaginando que o noivo estivesse nervoso, repetiu, agora com um tom de voz mais impositivo:
- Senhor João Francisco da Silva, ACEITA casar com a senhora Maria do Carmo Costa?
O noivo permanecia silente. Apenas olhava em torno. E a magistrada se intrigava cada vez mais.
Nisso, o tabelião recomeçou a gesticulação, levantando o indicador direito. A juíza o olhou, já contrariada, pedindo para que esperasse. E repetiu:
- Senhor João Francisco da Silva, me responda se ACEITA ou NÃO casar hoje. Há algum problema?
O homem pareceu contrariado, sem nada dizer. Apenas balbuciou algo ininteligível, enquanto olhava em direção ao tabelião, que novamente pediu um aparte.
Foi então que a juíza perguntou:
- O que é dessa vez, senhor Cláudio?
- Doutora, me desculpe. Mas é que os noivos são surdos-mudos!

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