Zé Girino




Início da década passada. Estava eu abastecendo o carro no posto de um trevo entre as estradas que ligam duas comarcas em que trabalhava. Era noite.
- Moço, pode encher.
- Pode deixar, doutor – Disse o frentista.
Eis que, ao desligar a caminhoneta e, consequentemente, o som do veículo, comecei a ouvir lamúrias e choros.
- O que é isso? – ao que o frentista apontou para um sujeito literalmente acocorado no meio-fio do acostamento da estrada.
Tocado com o choro sincero do rapaz, resolvi descer e saber o que lhe estava causando tamanha dor.
- Amigo, boa noite, o que está acontecendo?
O jovem, aparentando uns vinte e cinco anos, continuou acocorado, mas levantou a cabeça, que estava entre as mãos, olhou-me surpreso ao me reconhecer, e completou:
– Doutor... – falou em tom de lamúria o choroso sujeito. Parou por uns segundos e prosseguiu – o problema tá aqui! – apontando com as mãos espalmadas para o próprio rosto.
Busquei alguma ferida, corte, sei lá. Mas estava tudo em ordem: tinha olhos, boca, nariz.
– Tá onde, meu caro?
– Aqui, ó! É que eu sou feio demais! – Para completar o quadro, entre as pernas do rapaz estava uma garrafa da boa e velha 51. Pelo bafo de álcool dele, já devia estar no fim...
E, após puxar o fôlego, ele prosseguiu: – Eu tinha uma namorada, doutor. Chamei pra morar comigo, pra gente casar. Ela disse que não. Que eu era feio demais e que os bichinhos num iam nascer humanos não! Buá! – Pôs-se a chorar de novo.
Fiquei com dó. Olha, o camarada era feio mesmo. Boca torta e uma banguela daquela tradicional, tipo vampiro, cara cheia de espinhas. Um quadro esteticamente triste. Mas decidido a levantar a autoestima do jovem, aconselhei-o. O diálogo se deu comigo de pé e ele acocorado, como estava.
– Não vou dizer que o senhor é nenhuma maravilha. Mas também não estou dizendo que é feio. Contudo, saiba que sendo feio ou não, sempre há alguém mais feio que a gente em todo canto. – E prossegui:
– Vou lhe mostrar que estou certo. Veja bem, tem um camarada aqui na cidade vizinha que não conheço, mas que dizem ser o sujeito mais feio da região. Zé Girino. Já ouviu falar dele?
– Zé Girino sou eu, doutor! Buá!

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