Carona Suspeita...
Tal fato se deu há uns oito anos, quando ainda era Juiz de Almino Afonso, Alto-Oeste do Rio Grande do Norte. Naquela época, a Comarca de Patu, com maior movimento, estava sem magistrado. Eu era o substituto legal. E assim fazendo, deslocava-me uma ou duas vezes por semana até o Fórum patuense, que distava vinte e sete quilômetros de minha comarca original. O trajeto se fazia em estrada asfaltada, havendo, em um ponto eqüidistante, um trevo, onde se localizava um posto de gasolina.
Naquela região o transporte é escasso. Portanto, tornou-se até um hábito dar carona aos mais carentes. E foi numa noite daquelas, lá pelas sete horas, voltando de Patu para a minha residência em Almino Afonso, que encontrei um senhor aparentando uns setenta anos. Ao lado dele havia um saco de estopa cheio. Ele esticou o braço direito, tentando chamar a minha atenção.
Examinei rapidamente o desconhecido que se prostrara à margem do trevo, vestindo roupas rotas e simples. Tinha um aspecto de quem travara uma árdua luta com a enxada durante todo o dia. Parei a caminhoneta e abaixei o vidro do lado do passageiro. O velho mal me olhou, uma vez que estava escuro, e foi logo perguntando, ainda a meia distância:
– O carro vai passar em Almino Afonso?
– Sim – respondi de plano.
– E o saco? – perguntou ele, apontando para o invólucro de estopa.
– Coloque na caçamba.
O idoso olhou para a parte traseira da caminhoneta, coçou a cabeça demonstrando confusão, e respondeu, sem muita convicção:
– Tá...
Olhando pelo retrovisor, percebi que o senhor não sabia sequer abrir a caçamba, que era coberta por aquelas lonas esticadas. Chegou a fazer menção de por o pesado saco sobre ela que, certamente, arrebentaria.
– Um momento! – disse em alto som, ao perceber do que estava disposto o senhor a fazer. Saí e abri a portinhola traseira. O velho, que até então não tinha reparado o motorista, olhou com assombro, boca entreaberta, aquele jovem alto portando um terno. Após ajudá-lo a acondicionar o saco, fechei a caçamba e acenei para a porta dianteira do passageiro, demonstrando que era lá que ele deveria entrar.
Mal abrira a porta e tomara assento no banco do passageiro, claramente notei o embaraço do ancião, que insistia em colocar por baixo do ombro direito o cinto de segurança. Com dificuldades, depois de três tentativas, consegui conectá-lo ao dispositivo de segurança. Em seguida, ele olhou mais uma vez com atenção, e foi logo perguntando:
– Mas o senhor não é o Juiz não, ou é?
Nesse instante acabara de dar partida no veículo. Tomando com naturalidade o espanto que os mais vividos geralmente tinham em ver uma pessoa jovem assumindo tamanha responsabilidade, baixei o volume do som, sorri e respondi:
– Sou, sim.
O homem parou por um instante, olhou pela janela, passou a mão sobre a testa suada e balbuciou:
– Virgem Maria... Ai meu Deus do céu...
Tinha eu acabado de fazer algumas audiências criminais em Patu. Aquilo atiçou minha curiosidade. Algumas questões surgiram. Quem seria aquele desconhecido? Porque a apreensão quando falei sobre minha profissão? Seria um foragido da Justiça?
No interior do veículo, que se encontrava com os vidro fechados e o ar ligado, podia-se sentir o cheiro forte de suor.
Em dez minutos estaríamos em Almino Afonso. Resolvi, durante o trajeto, fazer algumas indagações:
– Como o senhor se chama?
– Evangelista.
– O senhor é daqui mesmo?
– Sou sim, senhor.
– Mora aonde?
– No sítio Cacimba de Vaca.
Fiz mais alguns questionamentos. Mas nada de importante foi revelado.
Eis que chegamos à cidade. Após uns duzentos metros, havia uma interseção à esquerda. Disse a ele:
– Meu senhor, eu vou direto, pois mais à frente fica minha casa.
– Vou descer aqui, doutor.
– Tudo bem.
Parei o carro. O velho rapidamente desceu, deixando a porta do passageiro aberta, e se dirigiu até a caçamba. Desta vez conseguiu abrir a portinhola e retirar o saco. Olhei com atenção, de dentro do veículo. Ele, então, voltou até a lateral, segurou a porta com o vigor que possuía. Pela primeira vez me encarou, olhando para mim com seus olhos ternamente idosos, e perguntou:
– Quanto é, doutor?
Surpreso com a pergunta inusitada, sorri, e respondi:
– Meu senhor, jamais eu lhe cobraria. Pode ir. Apenas lhe peço que faça um bem a alguém quando puder.
O velho juntou as palmas das mãos, mirou o firmamento por um breve instante, e disse confiante e em alto som:
– Graças a Deus!
Novamente surpreendido com a reação do idoso, inquiri:
– Mas graças a Deus por quê?
O idoso tornou sua vista para a minha, e com um sinal de espanto me respondeu com alegria:
– Doutor, eu estava muito preocupado...
– Mas preocupado com o quê, meu senhor?
– É que se num alternativo "é cinco real", imagine vindo no carro do juiz!
kkkkk, adorei Rosivaldo, imaginei a cena!!
ResponderExcluirestou adorando "os causos" do seu blog!!! hahahaha!
ResponderExcluirMuito boa...acompanhei essa na sua entrevista pela Tv Assembleia.Parabéns pela humildade que demonstra ao povo..
ResponderExcluiré verdade o dr Rosivaldo é mesmo muito humilde hoje eu ando em Almino Afonso e todos que trabalharam com ele fala de sua simplicidade e humildade, ele é muito querido por lá.
ResponderExcluiré verdade
ResponderExcluiré verdade o dr Rosivaldo é mesmo muito humilde hoje eu ando em Almino Afonso e todos que trabalharam com ele fala de sua simplicidade e humildade, ele é muito querido por lá.
ResponderExcluirkkkkkkkk sensacional...ri demais!! Cada causo ....é viciante..a gente lê um, logo quer ler outro.. tô doida p virar juíza e ter uns causos desses p contar..aahahaha
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