Condenação sem aplicação de pena - princípio da (des)necessidade da pena
Recentemente, deparei-me com um caso inusitado para sentenciar. Um acusado de roubo majorado pelo concurso de agentes.
Aproveito para citar o que disse o Defensor Público Manuel Sabino Pontes, sobre o caso:
"O acusado em si é um cidadão peculiar. No universo dos excluídos, o acusado é talvez um de seus maiores expoentes. Além de homossexual, o acusado é travesti. Além de negro, é pobre. Além de homossexual, travesti, negro e pobre, ainda se trata de um portador do vírus da AIDS. Adicione-se a tudo isto o fato de ser um réu em processo criminal e é fácil notar que a aparente paranóia de ******, acusando a todos – vítima e policiais – de preconceito contra sua pessoa, parece ser tristemente justificada (f. 160)."
Segue a sentença.
Para preservar as identidades do acusado, da vítima e das testemunhas, asteriscos em lugar do seu nome e do número do processo.
SENTENÇA
RELATÓRIO
Trata-se de ação penal pública em que figura ********, parte já qualificada nos autos, como acusado pela prática dos seguintes fatos: no dia 14 de junho de 2008, por volta das 17 horas, no STOP Bar, localizado na Av. das Fronteiras, s/n, Vale Dourado, nesta Capital, o denunciado em unidade de desígnios e divisão de tarefas com a pessoa conhecida como "Valquíria", subtraiu para si, mediante violência, bens móveis pertencentes a *******. Ao final da peça inicial, a acusação capitulou o fato como violador da seguinte regra penal: art. 157, § 2º, inciso II, do Código Penal. Consta dos autos boletim de atendimento de urgência dando conta de que o acusado sofreu trauma de face em razão de agressão física (fl. 84), prontuário médico do acusado, de fl. 60, laudo de exame de lesão corporal (fl. 73), boletim de atendimento de urgência, dando conta de que o paciente foi vítima de trauma cortante.
A denúncia foi recebida à fl. 02. A citação se deu à fl. 51. A resposta à acusação se encontra às fls. 79-80. O interrogatório ocorreu em audiência. As testemunhas foram ouvidas em audiência.
Nas suas alegações finais a acusação disse, em suma, o seguinte: a materialidade e a autoria estão comprovadas pelas provas juntadas aos autos, devendo ser condenado nos termos da inicial.
Nas suas alegações finais a defesa disse, em suma, que os únicos meios de prova são os orais, de baixa credibilidade. Os bens subtraídos, supostamente, nem sequer foram apreendidos com o acusado. A suposta co-autora não foi localizada. O acusado sequer tentou fugir, tendo esperado a polícia chegar. A sua versão é de que a vítima foi assaltado por uma prostituta e como o acusado era o gerente do estabelecimento. Alegou a situação de exclusão do acusado e que não haveria provas no processo contra ele. Pediu a absolvição por falta de provas e, em caso contrário, a aplicação da teoria da co-culpabilidade e o cumprimento da pena no regime aberto.
FUNDAMENTAÇÃO
Obedecendo ao comando esculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, e dando início à formação motivada do meu convencimento acerca dos fatos narrados na inicial e imputados ao réu, verifico, sucessivamente, a materialidade e a autoria.
Analisando a MATERIALIDADE e a AUTORIA, vê-se o seguinte:
No tocante à prova documental ou pericial, consta boletim de atendimento de urgência dando conta de que o acusado sofreu trauma de face em razão de agressão física (fl. 84), prontuário médico do acusado, de fl. 60, laudo de exame de lesão corporal (fl. 73), boletim de atendimento de urgência, dando conta de que o paciente foi vítima de trauma cortante.
*********, vítima, durante oitiva judicial, afirmou que estava no quarto quando o acusado e uma mulher chegaram, o assaltaram, levaram o celular e dinheiro. Os pertences estavam nos bolsos. Depois disso chamaram a viatura e levaram o acusado, junto com o depoente, para a delegacia. O acusado vivia no local. O acusado deu um golpe no pescoço do depoente, apertando seu pescoço. A dona do estabelecimento foi quem o socorreu.
*********, testemunha ouvida judicialmente, relatou que estavam de serviço e foram acionados pelo CIOSPE. No local a vítima e ela informou que tinha sido pego por um pessoal que havia tomado seu dinheiro e pertences. O acusado confessou a prática do roubo. Ele informou que os objetos estavam com sua comparsa.
*********, no seu depoimento perante autoridade judiciária, afirmou que estava de serviço patrulhando e foram acionados. Mantiveram contato com a vítima. Ele afirmou que foi fazer um programa e foi agredido e roubado pelo acusado. O acusado estava indo embora. Deram voz de prisão. O acusado confessou que havia roubado, mas quem teria levado os bens teria sido a comparsa. A testemunha SILVIA ********* disse que o acusado é soropositivo HIV. O acusado anda com bastante dificuldade. A prisão do acusado dificultaria seu tratamento.
Durante interrogatório judicial, a parte acusada ******** disse que morava com Vera Lúcia e Valquíria. Valquíria chamou a vítima para fazer um programa. Valkíria tomou os pertences da vítima. A vítima, por preconceito, disse que tinha sido o depoente. Mas não participou do roubo. Nem tocou na vítima. Vera Lúcia e Valquíria trabalhavam no bar. Os policiais o acusaram de ter confessado por preconceito, mas não confessou. Vera Lúcia o acusou por ter raiva do depoente, por já ter discutido com ela. Não conhecia a vítima. A vítima o acusou por preconceito. Ela era um "coroa" maduro. A vítima desistiu do programa e por isso Valkíria furou o bolso da vítima. Lá é um cabaré. Entrou no quarto para receber o dinheiro. Há duas Vera Lúcia. Uma é a dona do bar e a outra uma prostituta.
Pelo que foi colhido no presente caso, enxergo a existência da materialidade e da autoria atribuída ao acusado. É bem verdade que faltaram alguns depoimentos importantes, a destacar o de Valkíria, que poderia até mesmo inocentar o acusado. Contudo, rebus sic stamtibus, a condenação é o convencimento a que chego para o momento, uma ve que foram engendrados esforços visando localizar a referida comparsa.
Em relação às palavras da vítima, vale lembrar que nos crimes contra o patrimônio e costume, normalmente perpetrados na clandestinidade, longe das vistas de terceiros, o que ela diz assume um valor probante maior, principalmente quando ratificada pelas demais provas amealhadas aos autos, isto porque o agente não quer ter à vista a presença de terceiros que possam alertar às autoridades policiais da ocorrência de um delito. A palavra das vítimas têm validade probatória e autorizam a prolação do decreto condenatório, especialmente quando procederam de maneira segura e coerente ao reconhecimento do réu como sendo o autor do crime, descrevendo com detalhes todo o desenrolar da ação delituosa, não existindo motivos para duvidar de suas assertivas.
A prova, pois, aponta para o réu como o autor do crime. Neste particular, pois, ensina a jurisprudência ao tratar dos delitos contra os costumes e o patrimônio, dando especial ênfase à palavra da vítima:
ROUBO – CONCURSO DE AGENTES – Materialidade e autoria comprovadas, também, pela confissão do réu. Violência empregada e concurso de agentes emergem cristalinas das palavras da vítima e demais testemunhas. Condenação imperativa. Subtração que se consumou, porquanto a importância em dinheiro retirada da vítima foi alcançada para co-réu que fugiu do local, não sendo capturado. Apelo improvido. (6 fls). (TJRS – ACR 70005231584 – 7ª C.Crim. – Rel. Des. Reinaldo José Rammé – J. 05.12.2002)
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE – PALAVRAS DA VÍTIMA QUE SÃO CONTRADITÓRIAS EM ALGUNS TRECHOS, ACHANDO-SE ISOLADAS DENTRO DO CONTEXTO PROBATÓRIO – TESTEMUNHAS DA ACUSAÇÃO QUE APENAS REPETEM OS DIZERES DA PARTE OFENDIDA – NEGATIVA DE AUTORIA E DECLARAÇÕES DE VIZINHOS, FILHOS E ESPOSA DO RÉU QUE DEIXAM DÚVIDAS ACERCA DA PRÁTICA DELITUOSA – MENOR COM HISTÓRICO FAMILIAR TRAUMÁTICO – INCERTEZA QUANTO AO FATO DA INFANTE TER EFETIVAMENTE SIDO CONSTRANGIDA À PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS – ABSOLVIÇÃO QUE SE MANTÉM – RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO – Não se olvida que, em se tratando de crimes como o de atentado violento do pudor, normalmente praticados às escondidas, a palavra da vítima assume especial importância, sendo que a força probatória reside na coerência e segurança com que descreve os fatos. Quando seus dizeres são vacilantes e o seu depoimento inseguro, a absolvição deve ser mantida. (TJSC – Acr 2007.014230-9 – Rel. Juiz Paulo Roberto Camargo Costa – J. 04.12.2007)
O depoimento da vítima é absolutamente coerente com os fatos ocorridos, estando de acordo, ainda, com a prova inquisitorial que foi produzia pela autoridade policial civil, em sede investigatória. E o mais importante, há extrema verossimilhança em seu depoimento em juízo, impressionando e convencendo este magistrado acerca da autoria da infração imputada ao acusado.
Se a busca da verdade real é, por si só, um mito, a real verdade da busca é, em contraponto, concreta e alcançável: o convencimento. E este foi alcançado, nesse caso, desfavoravelmente à antítese, isto é, à defesa, uma vez cumprido o ônus da acusação de provar o alegado.
Contudo, não está de todo deslindado o caso. Aproveito para citar o que disse o Defensor Público Manuel Sabino Pontes, sobre o caso:
O acusado em si é um cidadão peculiar. No universo dos excluídos, o acusado é talvez um de seus maiores expoentes. Além de homossexual, o acusado é travesti. Além de negro, é pobre. Além de homossexual, travesti, negro e pobre, ainda se trata de um portador do vírus da AIDS. Adicione-se a tudo isto o fato de ser um réu em processo criminal e é fácil notar que a aparente paranóia de *******, acusado a todos – vítima e policiais – de preconceito contra sua pessoa, parece ser tristemente justificada (f. 160).
No final das suas alegações, pediu que a pena do acusado fosse "substancialmente diminuída em função da aplicação da teoria da co-culpabilidade, Nenhum caso jamais justificou tanto a aplicação do mencionado princípio." E fechou sua argumentação, nos seguintes termos:
"Em segundo lugar, haja vista a grave doença do acusado e o diminuto risco que ele traz à sociedade – até por conta de uma AVC ocorrido durante seu tempo encarcerado que o deixou com os movimentos restritos –, a defesa requer que a pena seja cumprida no regime inicialmente aberto."
Muito embora entenda existirem provas suficientes para a condenação, os efeitos dela é que devem ser devidamente ponderados.
Somente para acrescentar a lista de déficits individuais e sociais, é o mesmo portador de "déficit motor decorrente de AVC" (fl. 58), conforme o prontuário médico do Hospital Giselda Trigueiro, assinada por um médico. Somente para ilustrar a situação do acusado, é dependente químico de crack e álcool. O prontuário é vasto de problemas de saúde, provavelmente agravados pela contaminação do vírus HIV.
Já houve até reaprazamento de audiência em razão de problemas de saúde do acusado (fl. 96).
O bom da Justiça de Primeira Instância é a proximidade com as partes, através, via de regra, do contato pessoal. Já o julgamento em Segunda Instância, apesar de contar com mais subsídios para julgar, uma vez que o contraditório é, mais uma vez, exercido pela razões e contra-razões, não tem como aferir com amesma dimensão as peculiaridades do caso concreto, sendo a tônica o distanciamento e formalização do julgamento. E isso não ajuda a compor uma decisão mais justa para o caso. Exemplo desse distanciamento são os corredores dos tribunais, quase sempre vazios. As partes intimidam-se com a grandiosidade dos prédios, o formalismo das sessões, com os desembargadores/ministros togados. O juiz é mais acessível nesse ponto.
Somente à título de ilustração, há cerca de dois anos, quando ainda trabalhava como juiz assessor da Presidência do Tribunal de Justiça, fui a Brasília para uma reunião. Comigo foi uma colega. Num intervalo de nossa agenda, resolvemos nos dirigir até o plenário do STF, para acompanhar os julgamentos. Para nossa surpresa, a magistrada foi impedida de ingressar para assistir à sessão do pleno (que é pública, em tese!) porque lá só entravam homens de terno e mulheres trajando um terninho ou tailleur. A infortunada juíza argumentou que trajava um terninho, ao que obteve a seguinte resposta: - "Mas não pode ser com estampa. O da senhora tem rosinhas azuis"...
Retomando o caso, vencida a questão da culpa, pois reconheci a materialidade e a autoria, urge analisar se é razoável aplicar sua sanção penal ao acusado, pelas circunstâncias do caso e pessoais.
O postulado da razoabilidade
Primeiramente, cabe distinguir proporcionalidade de razoabilidade, uma vez que uma parcela considerável da doutrina e da jurisprudência não raramente as (con)funde. Ainda paira uma névoa espessa que busco, aqui, dissipar.
Em nosso dia-a-dia[1] utilizamos a palavra razão em muitos sentidos. Pode indicar certeza (“estou com a razão”), lucidez (“não perdi a razão”), motivo (“fiz isso em razão daquilo”). A palavra razão tem duas origens: o latim ratio e o grego logos, em ambos têm o mesmo sentido: contar, reunir, juntar. E o que fazemos – reflete MARILENA CHAUÍ – “quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos? Pensamos de modo ordenado (...) Assim, na origem, a razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são”.[2]
Mais uma vez, nos socorremos de HUMBERTO ÁVILA quando, ao descrever a hipótese de aplicação da razoabilidade, diz o seguinte:
Há casos em que é analisada a constitucionalidade da aplicação de uma medida não com base em uma relação meio-fim, mas com fundamento na situação pessoal do sujeito envolvido. A pergunta a ser feita é: a concretização da medida abstrativamente prevista implica a não realização substancial do bem jurídico correlato para determinado sujeito? Trata-se de um exame concreto individual dos bens jurídicos envolvidos, não em função da medida em relação a um fim, mas em razão da particularidade ou excepcionalidade do caso individual. (...) A razoabilidade determina que as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão.
É importante salientar dois pontos na razoabilidade: a) deve-se verificar como paradigma o que ocorre no dia-a-dia, e não o extraordinário; b) deve-se considerar, além disso, as peculiaridades da situação frente à abstração e generalidade da norma. Verifica-se que os dois elementos acima culminam no entendimento de razoabilidade como antagônica à arbitrariedade e respeitando a justiça do caso concreto, isto é, a eqüidade. Assume-se, assim, um dever de consistência e coerência lógica. HUMBERTO ÁVILA cita como exemplo o caso de uma pequena indústria de móveis que foi excluída da classe de empresa de pequeno porte, irrazoavelmente, por ter feito a importação de quatro pés de sofá, uma única vez, já que havia uma lei que excluía daquela classe as empresas que importassem produtos. [3]
Na razoabilidade a relação é entre critério e medida. Na proporcionalidade, meio e fim. Consoante WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, na razoabilidade “objetiva-se verificar se a resultante da aplicação da norma geral (que é uma norma constitucionalmente válida) ao caso individual é razoável, não-arbitrária.”[4]
Pois bem. Temos, no caso, três princípios constitucionais em jogo. O primeiro, o princípio do Jus Puniendi, decorrente da permissão constitucional de punir quem pratica crimes, e de outro os da dignidade da pessoa humana e da vedação de penas degradantes ou cruéis.
Antes de apresentar minha decisão sobre a causa, trago à baila a redação do art. 59 do CP, que trata da aplicação da pena:
Fixação da pena
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
É interessante frisar como nossa práxis judiciária tem sido tímida em fazer um juízo hermêutico na hora de aplicar o Direito Penal. Há um muro alto e praticamente intransponível para o Eu-julgador. No imaginário dos juristas vagam os fantasmas do fim da segurança jurídica, do caos e do infortúnio se a pena não for severamente aplicada. Pura ilusão. A pós-modernidade (Bauman) problematizou a tal segurança jurídica. Não existem as verdades universais do iluminismo. Tudo é passageiro e reflexo de momentos históricos. E no âmbito do processo penal, a busca da verdade real tem como verdade real a busca de uma ilusão. Ela não existe. O magistrado é um historiador, que busca, entre os significantes que lhe chegam através da produção da prova sob contraditório e ampla defesa, o convencimento sobre o que teria ocorrido. Deixemos de ilusões. Não há processo penal fora da Constituição. A lei ordinária geral penal, o Código Penal (que em nosso caso, trata-se de um decreto-lei ditatorial e sexagenário), deve sempre ser, em sua concretização, filtrado pelas regras e princípios constitucionais.
Retomando a questão da razoabilidade, pergunto-me: a concretização da medida abstrativamente prevista implica a não realização substancial do bem jurídico correlato para determinado sujeito? Entendo que aplicando uma pena privativa de liberdade ao acusado, estarei, primeiramente, em razão da suas peculiaridades, notadamente pelas seqüelas do AVC e as debilidades do HIV, e depois pelos prejuízos que causaria ao seu tratamento e ao Estado, em razão das constantes pioras no seu quadro de saúde, tornando a pena privativa cruel e degradante, pois sei que, na prática, há uma burocracia desumana que imperra a máquina estatal, que poderia, inclusive, ocasionar a morte por falta de tratamento. Ora, se a polícia não tem ne viatura para trazer presos para audiências, que dirá para levá-los a urgências médicas. Cabe asseverar as limitações motoras que afetam o acusado. Acessibilidade em cadeia? Mais uma vez, ora, se não tem nem como dar condições mínimas de salubridade aos presos, que dirá adequação das instalações a portadores de necessidades especiais.
Desta forma, fazendo um exame concreto individual dos bens jurídicos envolvidos, não em função da medida em relação a um fim, mas em razão da particularidade ou excepcionalidade do caso individual, entendo que não há necessidade de aplicação de pena. O acusado já foi tremendamente castigado nesta vida, incluindo quarenta e cinco dias preso por esse fato, e mantê-lo numa prisão somente pioraria suas atuais condições de (sobre)vida, seja: a) pelas suas condições de subintegração social por ser pobre, negro, homossexual travesti e (ex-)profissional do sexo, numa sociedade desigual, racista e intolerante com a orientação sexual (ainda que veladamente), segregadora das pessoas portadores de necessidades especiais; b) seja pelas condições pessoais de portador de uma síndrome incurável e de tratamento que exige uma vida regrada (AIDS) e de limitações motoras permanentes (decorrentes de um acidente vascular cerebral - AVC). Considerando isso, deixarei de aplicar a pena.
DISPOSITIVO
Em razão de todo o exposto e fundamentado, resolvo julgar procedente a pretensão punitiva do Estado, condenando ******, parte já qualificada nos autos, como incurso nas sanções advindas da infringência do art. 157, § 2º, II, do CP. Contudo, considerando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proibição de penas desumanas e degradantes, bem como do princípio da (des)necessidade da pena, DEIXO DE APLICAR QUALQUER MEDIDA COERCITIVA DECORRENTE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO REFERIDO ARTIGO DO CÓDIGO PENAL.
DISPOSIÇÕES FINAIS
Suspendo a cobrança de quaisquer custas, em razão da patente pobreza do mesmo, de acordo com os arts. 4º e 12 da lei 1.060/50..
E somente após o trânsito em julgado, promova a Secretaria as seguintes providências: transitada em julgado esta decisão, lance-se o nome do réu no rol dos culpados (art. 393, II); comunique-se ao setor de estatísticas do ITEP; oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para fins de suspensão dos direitos políticos (art. 15, III, CF); encaminhem-se as respectivas Guias, devidamente instruídas, ao Juízo das Execuções Penais; comunique-se ao Distribuidor Criminal, para os fins necessários.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Natal, 17 de março de 2010.
Rosivaldo Toscano dos Santos Junior
Juiz de Direito - proc. nº *********
[1] O texto abaixo é de minha autoria, e está disponível na internet, mais especificamente na seguinte página WEB: , acesso em 18.03.2010.
[2] CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003, p. 62.
[3] ÁVILA, 2006, p. 142-143.
[4] STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 187
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