A Estranha ZÉ Beme

Comarca de Pendências. O ano era de dois mil e um. Tribunal do Júri. A audiência estava lotada, uma vez que se tratava de um rumoroso caso de homicídio qualificado.
Já se estava na oitiva da quinta testemunha pela acusação. E era ela um oficial de justiça antigo na Comarca, que estivera por uns instantes na companhia do acusado, na fatídica e lamentável noite do assassinato.
A tese defensiva era de que tivera ocorrido legítima defesa, o que já seria de se esperar. Os jurados quase dormiam, pois aquela já era quinta e última testemunha da acusação.
Então magistrado perguntou ao depoente:
- O senhor esteve com o acusado naquela noite, senhor Augusto?
- Sim senhor – respondeu o meirinho.
- Então me conte, por obséquio.
- Pois não, doutor. Bem, naquela noite eu e o acusado fomos até a Zé Beme. Sentamos à mesa e pedimos uma garrafa de cana.
- Mas a que horas chegaram no local?
- Bem... como a Zé Beme só começa a funcionar a partir das nove da noite, por aí... foi por volta dessa hora que chegamos. Havia outros amigos lá na Zé Beme, inclusive Manuel – Manuel era uma das testemunhas já inquiridas. – Mas estavam outras pessoas...
- Conte-me, então, seu Augusto, quem mais se encontrava lá nessa tal de Zé Beme.
O oficial de justiça fez uma cara de desgosto, engoliu seco e se calou – melhor fazer de conta que não houve a pergunta, deve ter sido o que pensou.
O magistrado, então, instigou a ora testemunha para que prosseguisse:
– Vamos, senhor Augusto, prossiga!
– Doutor, é que talvez não seja certo dizer quem estava lá...
– O senhor está prestando um serviço à justiça, não se preocupe. Tanto eu quanto o Conselho de Sentença só desejamos a verdade. E esta não admite meias-palavras. Portanto, o certo é dizer tudo o que sabe, ainda mais em se tratando de um servidor da Justiça.
O homem olhou para trás, onde a platéia acompanhava com atenção. Alguns dos presentes, estranhamente, murmuravam, o que começou a deixar o magistrado intrigado. Ele, então, gesticulou brandamente com as mãos, em sinal de que se mantivessem em silêncio para que se pudesse, com tranqüilidade, dar continuidade ao depoimento.
O meirinho, então, estufou o pulmão, querendo se encher de coragem, e respondeu de uma tacada só, como quem vai sofrer uma dor grande, e faz de tudo para que fosse rápida.
– Nildo de Tonhão, Zeca, casado com Gorete de Bianor, o velho Nicolau, e Rufino, marido de minha prima Conceição. Estavam todos, todos eles, na Zé Beme. Mas Zeca, doutor, só estava lá por culpa minha, pois fui eu que insisti para ir a Zé Beme comigo.
Houve uma certa reação na audiência.
Porém, intrigado com aquele local do qual tanto falara o meirinho, resolveu perguntar, desejoso de instruir ainda melhor os jurados:
– Mas me diga, senhor Augusto, onde se localiza, ou se localizava, essa tal de Zé Beme? E me diga mais: era um bar, uma boate, um restaurante?
O oficial de justiça, surpreendido com a pergunta, fez novamente uma careta, que se assemelhava a constrangimento. Afastou o microfone que segurava de perto da boca, deixou o corpo pender até o limiar do banco, inclinando-se em direção ao Juiz-Presidente. E falou baixinho:
– Doutor, é Zê-be-eme. Zona do Baixo Meretrício!

Comentários