A criatividade nem sempre é o melhor caminho...




Ação penal na comarca de Patu, há uns oito anos. Saque em um caminhão de gás. A acusação era de que várias pessoas tinham se aproveitado da pane do veículo da empresa distribuidora de gás e, na calada da noite, subtraído os botijões.
Interrogatório de um dos acusados. Entra ele. Estatura mediana. Gordo, bem mais de cem quilos. A camisa que usava parecia ser de seu filho, pois metade da pança ficava levando brisa e o umbigo à mostra. O réu sentou e, com tranqüilidade, sorriu pra mim. Cumprimentei-o meneando a cabeça. Após as formalidades de praxe, iniciei o interrogatório:
- Senhor João, é verdadeira a acusação de que o senhor subtraiu dezoito botijões de gás e os escondeu em sua casa?
- Claro que não, doutor. É uma grande mentira.
- Acontece que há vários testemunhos e o termo de apreensão diz que dezoito botijões foram achados em sua casa.
- E é?
- É sim. Diz aqui que estavam todos no interior de sua residência.
- Eu não vi. Estava dormindo quando alguém pôs isso lá.
- Então quer dizer que alguém, pela porta da frente de sua casa, entrou com dezoito botijões e o senhor nem viu?
- Pela porta de frente teriam visto, mas não entrou porque estava fechada. Tem ladrão demais onde moro.
- Acredito no senhor. Então pelo que o senhor está dizendo uma pessoa desconhecida subiu pelo telhado, entrou e deixou os botijões lá. Não acha um pouco complicado sustentar essa versão? Olhe, o senhor tem o direito de dizer o que quiser e até de ficar calado, mas gostaria de lhe aconselhar: se o senhor for culpado realmente, o melhor é confessar e ter a pena atenuada.
- Doutor esse camarada entrou então foi pela porta de trás, da cozinha.
- Mas diz a denúncia que os botijões se encontravam no seu quarto e o senhor nem viu...
- Pois doutor, não vi porque fui dormir na cozinha.
- Na casa do senhor tem cama na cozinha, senhor João? E o senhor cozinha no quarto?
- Não. Só armei uma rede na cozinha.
- Ah, bom. Senhor João, e sua mulher não dormia com o senhor numa mesma rede? Não é possível. O senhor pesa quantos quilos?
O réu pensou um pouco e respondeu:
- Peso cento e quinze, doutor. Minha mulher dormiu no quarto mesmo porque nessa noite eu briguei com ela.
- E quer dizer que o camarada entrou e deixou os botijões no quarto com sua mulher dentro?
- Ela tem um sono pesado que o senhor nem acreditaria.
- Imagino. O senhor é um homem de posses? Sua casa é grande senhor João?
- É nada, doutor, sou um lascado. Só tem a sala, um quarto, um banheiro e a cozinha.
- Então o senhor arma a rede de um lado ao outro da casa?
- Como o senhor adivinhou? Armo a rede de uma parede pra outra, pro senhor ver como é pequena a casa.
- Então o senhor quer me convencer que um indivíduo caridoso entrou por trás de sua casa dezoito vezes, passou por baixo da rede em que o senhor dormia e colocou os dezoito botijões ao lado da cama de sua esposa e nem o senhor, nem sua mulher viram nem ouviram nada?
O acusado pensou por uns instantes, olhou-me nos olhos e disse:
- Exatamente! O senhor acredita que o camarada teve a audácia de fazer isso comigo?
- Claro que acredito, senhor João...
Resultado da criatividade: um ano e quatro meses de reclusão e vinte dias-multa...

Comentários

  1. Muito engraçado

    é verdade que ele foi preso ?

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  2. Olha, deve ter recebido pena alternativa. Faz muito tempo. Só lembro do fato pitoresco.

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  3. Risoos, isso só poderia ter acontecido naquela cidade mesmo viu?! Ri muito.. Não é todo dia que se encontra uma pessoa tão "verdadeira" diante de um fato tão inusitado! kkkkkkkkk Patu tem cada uma viu?! Foi lá onde o fato ocorreu né? Risoos

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