Informativo 580 do STF


Todas as semanas publicarei aqui no blog a suma penal dos informativos do STF, com vistas a atualizar meus leitores.

Brasília, 22 a 26 de março de 2010 Nº 580

Denúncia Anônima: Investigação Criminal e Quebra de Sigilo Telefônico - 1
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus no qual se pleiteava o trancamento de investigação ou qualquer persecução criminal iniciada com base exclusivamente em denúncias anônimas. Tratava-se, na espécie, de procedimento investigatório — que culminara com a quebra de sigilo telefônico dos pacientes — instaurado com base em delação apócrifa para apurar os crimes de associação para o tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 14) e de corrupção passiva majorada (CP, art. 317, § 1º), supostamente praticados por oficiais de justiça que estariam repassando informações sobre os locais de cumprimento de mandados de busca e apreensão e de prisão. Destacou-se, de início, entendimento da Corte no sentido de que A Denúncia Anônima, Por Si Só, Não Serviria Para Fundamentar A Instauração De Inquérito Policial, Mas Que, A Partir Dela, Poderia A Polícia Realizar Diligências Preliminares Para Apurar A Veracidade Das Informações Obtidas Anonimamente E, Então, Instaurar O Procedimento Investigatório Propriamente Dito.
HC 95244/PE, rel. Min. Dias Toffoli, 23.3.2010. (HC-95244)

Denúncia Anônima: Investigação Criminal e Quebra de Sigilo Telefônico - 2
Salientou-se que, no caso, a partir de informações obtidas por colaboradores, e, posteriormente, somadas às mencionadas ligações anônimas, policiais — ainda sem instaurar o pertinente inquérito policial — diligenciaram no sentido de apurar as identidades dos investigados e a veracidade das respectivas ocupações funcionais, tendo eles confirmado tratar-se de oficiais de justiça, cujos nomes eram os mesmos fornecidos pelos “denunciantes”. Asseverou-se que, somente após essas explicitações, o delegado representara ao Judiciário local pela necessidade de quebra do sigilo telefônico dos investigados, considerando-se, no ponto, que os procedimentos tomados pela autoridade policial estariam em perfeita consonância com a jurisprudência do STF. Registrou-se, ademais, que o juízo monocrático, em informações prestadas, comunicara o devido recebimento da denúncia, porquanto demonstrada a existência da materialidade dos crimes imputados e indícios suficientes de autoria, não sendo o caso de rejeição sumária.
HC 95244/PE, rel. Min. Dias Toffoli, 23.3.2010. (HC-95244)

Denúncia Anônima: Investigação Criminal e Quebra de Sigilo Telefônico - 3
Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia o writ para trancar a ação penal em curso contra os pacientes. Afirmava estar-se diante de um ato de constrição maior, a afastar a privacidade quanto às comunicações telefônicas, que é inviolável (CF, art. 5º, XII), não se podendo ter a persecução criminal simplesmente considerada denúncia anônima. Frisava que, no caso, simplesmente se buscara saber se aqueles indicados como a beneficiarem, quanto a cumprimento de mandados, delinqüentes seriam, ou não, oficiais de justiça. Aduzia ser muito pouco para se chegar a este ato extremo, saindo-se da estaca zero para o ponto de maior constrição, que é o da interceptação telefônica, na medida em que não se investigara coisa alguma. Considerava que, se assim o fosse, bastaria um ofício ao tribunal local para que este informasse sobre a identidade dos oficiais de justiça. Precedente citado: HC 84827/TO (DJE de 23.11.2007).
HC 95244/PE, rel. Min. Dias Toffoli, 23.3.2010. (HC-95244)

Crimes contra a Ordem Tributária e Persecução Penal
Os delitos previstos no art. 1º da Lei 8.137/90 são de natureza material, exigindo para sua tipificação a constituição definitiva do crédito tributário para o desencadeamento da ação penal. Tendo em conta essa orientação, a Turma deferiu habeas corpus para reconhecer a nulidade de ação penal instaurada contra acusados pela suposta prática de crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, III), por vislumbrar, no caso, falta de justa causa para o desencadeamento da ação penal. Alegava a impetração que a persecução penal iniciara-se antes mesmo de haver qualquer ato de fiscalização, e que o processo administrativo tendente a constituir o crédito tributário somente se encerrara pouco antes de prolatado acórdão pelo TRF da 3ª Região, em virtude de decisão do Conselho de Contribuintes, que negara provimento aos recursos interpostos pela empresa da qual os pacientes são sócios. Sustentava, assim, que a materialidade do crime não estaria configurada por ocasião do recebimento da denúncia e, em conseqüência, inexistiria justa causa apta a autorizar o desencadeamento da ação penal. Asseverou-se que careceria de justa causa qualquer ato investigatório ou persecutório judicial antes do pronunciamento definitivo da administração fazendária no tocante ao débito fiscal e responsabilidade do contribuinte. Considerou-se que o parquet não teria a faculdade de decidir subjetivamente sobre o que seria, numa visão prospectiva, “definitivo” em termos de lançamento tributário, autorizando, destarte, o oferecimento da denúncia antes de constituído o crédito em favor do Fisco. Ressaltou-se, ademais, que tal entendimento encontrar-se-ia, já por ocasião do recebimento da denúncia, pacificado no STF, e consubstanciada na Súmula Vinculante 24 (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”).
HC 97118/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.3.2010. (HC-97118)

Interrogatório e Entrevista Reservada com Defensor
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se alega constrangimento ilegal decorrente da ausência de citação do paciente e da não concessão do direito de entrevista reservada com o seu defensor, o que acarretaria a nulidade absoluta da ação penal. Aduz a impetração que o oficial de justiça, não localizando o paciente, procedera à citação de 3ª pessoa, no caso, a ex-companheira daquele, bem como que, com o advento da Lei 10.792/2003, seria dever do magistrado assegurar ao acusado a citada entrevista reservada, na qual poderá receber orientação técnica de seu defensor, a fim de propiciar maior segurança e amplitude de defesa. O Min. Dias Toffoli, relator, indeferiu o writ. Tendo em conta o comparecimento espontâneo do paciente ao interrogatório, entendeu que a citação, embora irregular, operara seu sentido. Ademais, enfatizou que, durante tal ato, fora nomeado defensor público, o qual fizera perguntas e posteriormente apresentara defesa prévia e alegações finais. Consignou, ainda, não haver prova de que não tivesse sido garantido ao paciente o direito de entrevista reservada, impugnação esta não argüida nos momentos processuais oportunos. Em divergência, o Min. Marco Aurélio concedeu a ordem para declarar insubsistente o processo a partir do vício originado do fato de não se ter aberto oportunidade ao acusado para a entrevista. Assentou que o juiz, ao constatar a falta de defensor, deveria ter suspendido a audiência para que o paciente tivesse contato com o defensor público designado. Reputou tratar-se de nulidade absoluta, haja vista que o contato prévio com o defensor constitui formalidade essencial à valia do ato. Salientou que a não alegação desse vício à primeira hora apenas confirmaria que o paciente estivera indefeso, equivocando-se o defensor público e o juiz. Afastou, também, a possibilidade de se cogitar de nulidade da citação ante o disposto no art. 570 do CPP (“A falta ou a nulidade da citação, da intimação ou notificação estará sanada, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argüi-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte.”). Após o voto do Min. Ayres Britto, acompanhando a divergência, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia.
HC 96465/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 24.3.2010. (HC-96465)

Art. 155, § 2º, do CP: Furto Qualificado e Privilégio - 3
Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para assentar a compatibilidade entre as hipóteses de furto qualificado e o privilégio constante do § 2º do art. 155 do CP. No caso, o paciente fora condenado pela prática do crime previsto no art. 155, § 4º, I, do CP, em virtude da subtração de um aparelho de som, mediante arrombamento de janela, à pena de 2 anos, a qual fora substituída por 2 penas restritivas de direito (CP, art. 44) — v. Informativo 557. Aduziu-se que a jurisprudência do STF é assente no sentido da conciliação entre homicídio objetivamente qualificado e, ao mesmo tempo, subjetivamente privilegiado. Dessa forma, salientou-se que, em se tratando de circunstância qualificadora de caráter objetivo (meios e modos de execução do crime), seria possível o reconhecimento do privilégio, o qual é sempre de natureza subjetiva. Entendeu-se que essa mesma regra deveria ser aplicada na presente situação, haja vista que a qualificadora do rompimento de obstáculo (natureza nitidamente objetiva) em nada se mostraria incompatível com o fato de ser o acusado primário e a coisa de pequeno valor. Ademais, considerando a análise das circunstâncias judiciais (CP, art. 59) realizada pelo juízo monocrático, que revelara a desnecessidade de uma maior reprovação, reduziu-se a pena em 1/3, para torná-la definitiva em 8 meses de reclusão, o que implicaria a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva em caráter retroativo, tendo em conta a ausência de recurso da acusação, bem como a menoridade do paciente (menor de 21 anos na data do fato). Assim, tendo em conta que o prazo prescricional de 1 ano já teria transcorrido entre a data do recebimento da denúncia e a data da publicação da sentença penal condenatória, julgou-se extinta a punibilidade do paciente pela prescrição retroativa. Vencido o Min. Marco Aurélio que denegava o writ por reputar incabível a mesclagem, aduzindo que o legislador, no que pretendera aplicar a crimes qualificados a causa de diminuição, assim o fizera.
HC 98265/MS, rel. Min. Ayres Britto, 24.3.2010. (HC-98265)

Prisão Preventiva e Falta de Fundamentação
A Turma, superando o óbice do Enunciado 691 da Súmula do STF, por maioria, concedeu, de ofício, habeas corpus para permitir que condenado pela prática dos crimes descritos nos artigos 33 e 35, c/c o art. 40, V, todos da Lei 11.343/2006 aguarde em liberdade o julgamento de idêntica medida no STJ. No caso, o juiz sentenciante, após condenar o paciente, mantivera a prisão cautelar ao fundamento de que nessa condição ele permanecera durante toda a instrução criminal. Aduziu-se que o magistrado, quando da prolação da sentença penal condenatória, tem um duplo dever: o de fundamentar o decreto de condenação penal e o de justificar a decretação da custódia cautelar ou a sua manutenção. Enfatizou-se que essa orientação fora positivada pela Lei 11.719/2008 (“Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: ... Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.”). Entendeu-se que, na espécie, o magistrado não motivara nem sequer indicara as razões pelas quais mantivera a segregação. Estenderam-se os efeitos da decisão aos co-réus. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que não conhecia do writ.
HC 99914/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Celso de Mello, 23.3.2010. (HC-99914)

Transcrições
Governador do Distrito Federal - Prisão Preventiva - Admissibilidade

(v. Informativo 577)

HC 102732/DF*

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

Voto do Ministro CELSO DE MELLO.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Trata-se de “habeas corpus”, que, impetrado em favor de José Roberto Arruda, Governador do Distrito Federal, tem por finalidade garantir, ao ora paciente, o direito de liberdade, desconstituindo-se, em conseqüência, ato decisório que determinou a sua prisão preventiva.
Aponta-se, como autoridade coatora, a Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, que, ao referendar decisão do eminente Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator do Inq 650/DF, ora em curso perante aquela Corte judiciária, proferiu o ato apontado como coator.
Sustenta-se, na presente impetração, em síntese, que, da “(...) leitura atenta do decreto prisional, nele identificam-se três fatores determinantes de sua ilegalidade: (i) falta de submissão da prisão à apreciação do Poder Legislativo; (ii) total ausência de fundamentação pela autoridade judicial, com a mera reprodução textual do pedido de prisão preventiva subscrito pelo Ministério Público; (iii) falta de demonstração da necessidade efetiva da prisão” (fls. 263 – grifei).
Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade. Não obstante o caráter extraordinário de que se reveste, a prisão preventiva pode efetivar-se, desde que o ato judicial que a formalize tenha fundamentação substancial, com base em elementos concretos e reais que se ajustem aos pressupostos abstratos - juridicamente definidos em sede legal - autorizadores da decretação dessa modalidade de tutela cautelar penal (RTJ 134/798, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO).
É por essa razão que esta Corte, em pronunciamento sobre a matéria (RTJ 64/77), tem acentuado, na linha de autorizado magistério doutrinário (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 376, 2ª ed., 1994, Atlas; PAULO LÚCIO NOGUEIRA, “Curso Completo de Processo Penal”, p. 250, item n. 3, 9ª ed., 1995, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO, “Manual de Processo Penal”, p. 243/244, 1991, Saraiva), que, uma vez comprovada a materialidade dos fatos delituosos e constatada a existência de meros indícios de autoria - e desde que concretamente ocorrente qualquer das situações referidas no art. 312 do Código de Processo Penal -, torna-se legítima a decretação, pelo Poder Judiciário, dessa especial modalidade de prisão cautelar.
É inquestionável que a antecipação cautelar da prisão - qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente da decisão de pronúncia e prisão resultante de sentença penal condenatória recorrível) - não se revela incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência (RTJ 133/280 - RTJ 138/216 - RTJ 142/855 - RTJ 142/878 - RTJ 148/429 - HC 68.726/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.).
Impõe-se ressaltar, no entanto, que a prisão cautelar (“carcer ad custodiam”) - que não se confunde com a prisão penal (“carcer ad poenam”) - não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal” (BASILEU GARCIA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal como esta Suprema Corte tem proclamado:

“A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.”
(RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, com a conseqüente (e inadmissível) prevalência da idéia – tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de condenação sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar - considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente - não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal:

“(...) PRISÃO PREVENTIVA - NÚCLEOS DA TIPOLOGIA - IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta (...).”
(HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la:

“Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual (...) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).
O processo penal, enquanto corre, destina-se a apurar uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as conseqüências.
Por tudo isso, é incontornável a exigência de que a fundamentação da prisão processual seja adequada à demonstração da sua necessidade, enquanto medida cautelar, o que (...) não pode reduzir-se ao mero apelo à gravidade objetiva do fato (...).”
(RTJ 137/287, 295, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

Entendo, no entanto, que os fundamentos subjacentes ao ato decisório emanado do eminente Relator e referendado pela Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, que decretou a prisão cautelar do ora paciente, ajustam-se aos estritos critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou nessa matéria, tal como o demonstrou o eminente Relator em seu substancioso voto.
Vale registrar, por necessário, que se reveste de plena legitimidade jurídico-constitucional a adoção, pelo Relator do Inq 650/DF, o eminente Ministro FERNANDO GONÇALVES, da técnica da motivação “per relationem” (HC 69.438/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 69.987/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se a propósito da técnica da motivação por referência ou por remissão, reconheceu-a compatível com o que dispõe o art. 93, inciso IX, da Constituição da República, como resulta de diversos precedentes firmados por esta Suprema Corte (HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 37.879/MG, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI – RE 49.074/MA, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI).
É que a remissão feita pela decisão ora impugnada - referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato ou de direito) que deram suporte à formulação do pedido de prisão preventiva pelo Ministério Público - constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao seu ato decisório, da motivação a que este último se reportou como razão de pedir, tal como se verifica na espécie.
As razões que fundamentam o decreto judicial de prisão cautelar, podem ser assim resumidas:

“35. Nestes termos, os indícios da participação do Governador José Roberto Arruda (...) na grave conduta criminosa de coação da testemunha (art. 343 do CP), que é crime contra a administração da justiça vêm de mais de uma fonte e incluem: o bilhete manuscrito; as declarações de Edson Sombra prestadas à Polícia Federal; as declarações de Antonio Bento prestadas à Polícia Federal; as declarações de Geraldo Naves dadas à imprensa - no sentido de que, de fato, foi incumbido de levar um bilhete do governador Arruda para Edson Sombra; o envolvimento de Rodrigo Arantes, secretário particular de Arruda, quem segundo Antonio Bento, enviou os R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para serem entregues a Edson Sombra e, ainda, o envolvimento do ex-Secretário de Comunicação de Arruda, que confirma ter intermediado uma conversa entre Edson Sombra e o Governador.
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37. Com efeito, José Roberto Arruda, com o concurso (...), ofereceu e deu dinheiro a Edson Sombra e ofereceu-lhe vantagem contratual com o GDF e o Banco de Brasília, em janeiro e fevereiro de 2010, em troca da assinatura da carta cujo conteúdo contém declaração falsa de que Durval Barbosa Rodrigues manipulou e forjou os vídeos em que aparecem políticos, empresários e servidores públicos de Brasília, com o nítido propósito de incriminar o Governador do DF e outras pessoas. A afirmação falsa contida na carta tem por finalidade alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante para os fins do inquérito n. 650-DF. O original da carta instrui a denúncia e foi apreendido no ato da prisão em flagrante em 4 de fevereiro de 2010.
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40. Assim, agindo em co-autoria e com unidade de desígnios, José Roberto Arruda, Geraldo Naves, Welligton Luiz Moraes, Antônio Bento da Silva, Rodrigo Diniz Arantes e Haroaldo Brasil de Carvalho fizeram Edson Sombra inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante no inquérito n. 650-DF e praticaram em co-autoria o crime de falsidade ideológica tipificado no artigo 299 do Código Penal. Por serem funcionários públicos, incorreram no aumento de pena previsto no parágrafo único da mesma norma. O Governador José Roberto Arruda incorre na agravante de ter instigado, organizado e dirigido a participação dos demais agentes criminosos (artigo 62-I e II do Código Penal).
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42. Além disso, a imprensa vem noticiando há vários meses o uso ilícito da estrutura administrativa do Estado para tentar impedir a tramitação do processo de ‘impeachment’ na Câmara Legislativa. A ameaça de demissão dos servidores públicos ocupantes de cargos comissionados, caso não participem de manifestações de apoio ao Governador Arruda foi amplamente noticiada pela imprensa. Ônibus que prestam serviço às Administrações Regionais foram usados para levar à Câmara Legislativa servidores públicos do Distrito Federal para manifestações contra o ‘impeachment’ do Governador Arruda, em claro desvio de finalidade do uso do bem público e de abuso de poder sobre os servidores.
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46. O caráter permanente do crime de quadrilha, aliado à alta lesividade dos crimes de corrupção de testemunha (art. 343 do Código Penal) e de falsificação ideológica de documento privado para influir em inquérito policial (art. 299 do Código Penal), praticados pelos requeridos, colocam em risco a ordem pública do Distrito Federal.
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50. Outra evidência da desfaçatez da ameaça à ordem pública decorrente da atuação do Governador Arruda decorre do fato de que policiais civis do Estado de Goiás foram detidos em frente à Câmara Legislativa, onde tramita o processo de ‘impeachment’, com equipamentos de escutas telefônicas. Os indícios são de que os policiais foram contratados por uma pessoa vinculada ao Governador com o intuito de realizar escutas telefônicas em Deputados da oposição. Ainda segundo a reportagem, a Polícia Civil do DF teria liberado os policiais sem autuá-los em flagrante. O fato acarretou a queda do Diretor-Geral da Polícia Civil do Distrito Federal Cléber Monteiro, cuja corporação é mantida com dinheiro público da União, administrado pelo Governador Arruda.
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54. Como exposto, há fortes indícios da participação do Governador Arruda no pagamento de vantagem pecuniária a uma testemunha do Inquérito 650, para coagi-la a mudar o depoimento e a assinar o conteúdo de carta ideologicamente falsa, a qual foi intimada a prestar depoimento à Polícia Federal sobre os fatos em apuração.
55. O crime de corrupção de testemunha é apenado com pena mínima de 3 anos e multa, pelo artigo 343 do Código Penal. O rigor do legislador justifica-se por tratar-se de crime contra a administração da Justiça. Crimes deste tipo afetam o livre exercício do Poder Judiciário, que é um dos três Poderes de República. Esta ação criminosa reflete o total desprezo dos requeridos pelo Poder Judiciário, visto que visam comprometer a lisura do processo penal e, assim, impedir a aplicação da lei penal. Necessitam, pois, de severa resposta do Estado.” (grifei)

Vê-se, desse modo, considerada a situação exposta nestes autos, que o comportamento do ora paciente configura clássica hipótese de decretação de prisão preventiva, pois traduz verdadeira interferência ilegítima na instrução probatória, revelando-se, até mesmo, criminosa a atitude daquele que corrompe testemunha.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais orienta-se no sentido de reconhecer a legitimidade jurídico-constitucional da decretação de prisão preventiva quando o indiciado/réu, diretamente ou por intermédio de terceiras pessoas, coage, ameaça, corrompe ou alicia testemunha (RTJ 204/348, Rel. Min. MENEZES DIREITO – HC 88.091/MG, Rel. Min. AYRES BRITTO – HC 91.407/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE – HC 136.942/RS, Rel. Min. FELIX FISCHER – RHC 24.891/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ, v.g.), ou, ainda, oferece-lhe ou promete-lhe vantagem financeira indevida para que altere a verdade em seu depoimento (HC 92.741/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO).
Essa mesma orientação tem o beneplácito do magistério doutrinário (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 623, item n. 19, 2008, RT; LUIZ ROBERTO CICOGNA FAGGIONI, “Prisão Preventiva, Prisão Decorrente de Sentença Condenatória Recorrível e Prisão Decorrente de Decisão de Pronúncia – Considerações”, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 41, p. 138, item n. 2.3.1; MIGUEL TEDESCO WEDY, “A Prisão em Flagrante e a Prisão Preventiva: uma análise crítica”, “in” Estudos em homenagem ao Des. Garibaldi Almeida Wedy, p. 147/148, 2004, Livraria do Advogado; ALEXANDRE VILELA, “Considerações acerca da Presunção de Inocência em Direito Processual Penal”, p. 108, item n. 3.3.3, 2005, Coimbra Editora, v.g.), valendo referir, quanto ao caso ora em análise, a lição de FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (“Código de Processo Penal Comentado”, vol. I/742-743, 9ª ed., 2005, Saraiva):

“Pode também ser decretada se conveniente para a instrução criminal, ou seja, para preservar aquela fase procedimental em que o Juiz procura, com a colheita das provas, reconstruir o fato ocorrido para poder melhor discernir e julgar. Se, entretanto, o réu lhe cria obstáculos, ameaçando ou niquelando testemunhas, fazendo propostas a peritos, tentando convencer o Oficial de Justiça a não encontrar as pessoas que devam prestar esclarecimentos em juízo etc., seu encarceramento torna-se necessário por conveniência da instrução. Não confundir ‘conveniência’ com ‘comodidade’. Não pode o Juiz, porque o réu reside um pouco distante, mandar prendê-lo por conveniência da instrução, alegando que, quando dever apresentar-se para uma audiência, por exemplo, não será preciso a expedição da precatória ou quejandos.
Assim, se o indiciado ou réu estiver afugentando testemunhas que possam depor contra ele, se estiver subornando quaisquer pessoas que possam levar ao conhecimento do Juiz elementos úteis ao esclarecimento do fato, peitando peritos, aliciando testemunhas falsas, ameaçando vítima ou testemunhas, é evidente que a medida será necessária, uma vez que, do contrário, o Juiz não poderá colher, com segurança, os elementos de convicção de que necessitará para o desate do litígio penal. Aí, sim, o poder coercitivo do Estado se justifica para impedir que o réu prejudique a atividade jurisdicional.” (grifei)

Cumpre observar, ainda, por necessário, no tocante à alegação da necessidade de prévia autorização da Câmara Legislativa do Distrito Federal para instauração de persecução penal contra o ora paciente, que o Plenário desta Suprema Corte, ao apreciar a ADI 1.020/DF, de que fui Relator para o acórdão, firmou entendimento que desautoriza o pleito deduzido nestes autos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL - OUTORGA DE PRERROGATIVAS DE CARÁTER PROCESSUAL PENAL AO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL - IMUNIDADE À PRISÃO CAUTELAR E A QUALQUER PROCESSO PENAL POR DELITOS ESTRANHOS À FUNÇÃO GOVERNAMENTAL - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO REPUBLICANO - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO - PRERROGATIVAS INERENTES AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ENQUANTO CHEFE DE ESTADO (CF/88, ART. 86, §§ 3º E 4º) - AÇÃO DIRETA PROCEDENTE.

PRINCÍPIO REPUBLICANO E RESPONSABILIDADE DOS GOVERNANTES.

- A responsabilidade dos governantes tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais à configuração mesma da idéia republicana. A consagração do princípio da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista básica do regime democrático, constitui conseqüência necessária da forma republicana de governo adotada pela Constituição Federal.
O princípio republicano exprime, a partir da idéia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos - os Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular - são igualmente responsáveis perante a lei.

RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL.

- O Governador do Distrito Federal - que dispõe de prerrogativa de foro ‘ratione muneris’ perante o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, ‘a’) - está permanentemente sujeito, uma vez obtida a necessária licença da respectiva Câmara Legislativa (RE 153.968-BA, Rel. Min. ILMAR GALVÃO; RE 159.230-PB, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), a processo penal condenatório, ainda que as infrações penais a ele imputadas sejam estranhas ao exercício das funções governamentais.
- A imunidade do Chefe de Estado à persecução penal deriva de cláusula constitucional exorbitante do direito comum e, por traduzir conseqüência derrogatória do postulado republicano, só pode ser outorgada pela própria Constituição Federal. Precedentes: RTJ 144/136, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; RTJ 146/467, Rel. Min. CELSO DE MELLO. Análise do direito comparado e da Carta Política brasileira de 1937.

IMUNIDADE À PRISÃO CAUTELAR - PRERROGATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE SUA EXTENSÃO, MEDIANTE NORMA DA LEI ORGÂNICA, AO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL.

- O Distrito Federal, ainda que em norma constante de sua própria Lei Orgânica, não dispõe de competência para outorgar ao Governador a prerrogativa extraordinária da imunidade à prisão em flagrante, à prisão preventiva e à prisão temporária, pois a disciplinação dessas modalidades de prisão cautelar submete-se, com exclusividade, ao poder normativo da União Federal, por efeito de expressa reserva constitucional de competência definida pela Carta da República.
- A norma constante da Lei Orgânica do Distrito Federal - que impede a prisão do Governador do DF antes de sua condenação penal definitiva - não se reveste de validade jurídica e, conseqüentemente, não pode subsistir, em face de sua evidente incompatibilidade, com o texto da Constituição Federal.

PRERROGATIVAS INERENTES AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ENQUANTO CHEFE DE ESTADO.

- O Distrito Federal não pode reproduzir em sua própria Lei Orgânica - não obstante a qualificação desse diploma normativo como estatuto de natureza constitucional (ADIn 980-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) - o conteúdo material dos preceitos inscritos no art. 86, §§ 3º e 4º, da Carta Federal, pois as prerrogativas contempladas nesses preceitos da Lei Fundamental, por serem unicamente compatíveis com a condição institucional de Chefe de Estado, são apenas extensíveis ao Presidente da República. Precedente: ADIn 978-PB, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO.”
(ADI 1.020/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO)

Cumpre destacar, neste ponto, que a garantia da imunidade em sentido formal não impede a instauração de inquérito contra Governador de Estado ou do Distrito Federal, que está sujeito, em conseqüência - e independentemente de qualquer autorização do Legislativo -, aos atos de investigação criminal promovidos pela Polícia Judiciária, desde que essas medidas pré-processuais de persecução penal, no entanto, sejam adotadas no âmbito de procedimento investigatório em curso perante órgão judiciário competente - o STJ, no caso de o investigando ser Governador (CF, art. 105, I, “a”):

“- A garantia da imunidade parlamentar em sentido formal não impede a instauração de inquérito policial contra membro do Poder Legislativo, que está sujeito, em conseqüência - e independentemente de qualquer licença congressional -, aos atos de investigação criminal promovidos pela Polícia Judiciária, desde que essas medidas pré-processuais de persecução penal sejam adotadas no âmbito de procedimento investigatório em curso perante órgão judiciário competente: o STF, no caso de os investigandos serem congressistas (CF, art. 102, I, ‘b’).”
(Rcl 511/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Tenho para mim, de outro lado, consideradas as razões ora expostas pelo eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA, sobre a necessidade, ou não, de prévia autorização da Câmara Legislativa, para efeito de válida instauração, contra o Governador do Distrito Federal, ora paciente, de procedimento penal, que tal discussão, na presente fase ritual, revela-se prematura.

(...)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Cabe referir, ainda, no que concerne a suposto envolvimento de Deputado Federal nos fatos objeto de apuração no Inq 650/DF, entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Rcl 2.101-AgR/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE (RTJ 183/112), em que, ao analisar questão semelhante à que se registra na presente causa, o Plenário desta Suprema Corte proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“Reclamação. Negativa de seguimento. Agravo regimental. Art. 102, I, ‘b’ da Constituição Federal. Foro privilegiado. A simples menção de nomes de parlamentares, por pessoas que estão sendo investigadas em inquérito policial, não tem o condão de ensejar a competência do Supremo Tribunal Federal para o processamento do inquérito, à revelia dos pressupostos necessários para tanto dispostos no art. 102, I, ‘b’ da Constituição. Agravo regimental improvido.” (grifei)

Finalmente, o exame da pretensão jurídica ora deduzida estimula algumas reflexões que entendo imprescindíveis à formulação de juízo em torno dos fatos noticiados no presente “habeas corpus”.
A desejável convergência entre ética e política nem sempre tem ocorrido ao longo do processo histórico brasileiro, cujos atores, ao protagonizarem episódios lamentáveis e moralmente reprováveis, parecem haver feito uma preocupante opção preferencial por práticas de poder e de governo que se distanciam, gravemente, do necessário respeito aos valores de probidade, de decência, de impessoalidade, de compostura e de integridade pessoal e funcional.
Tais comportamentos, porque motivados por razões obscuras, por desígnios inconfessáveis ou por interesses escusos, em tudo incompatíveis com a causa pública, são guiados e estimulados por exigências subalternas resultantes de um questionável pragmatismo político, que, não obstante o profundo desvalor ético dos meios empregados, busca justificá-los, assim mesmo, em face de uma suposta e autoproclamada legitimidade dos fins visados pelos governantes.
Os membros de Poder, quando assim atuam, transgridem as exigências éticas que devem pautar e condicionar a atividade política, que só se legitima quando efetivamente respeitado o princípio da moralidade, que traduz valor constitucional de observância necessária na esfera institucional de qualquer dos Poderes da República.
A ordem jurídica não pode permanecer indiferente a condutas de quaisquer autoridades da República que hajam eventualmente incidido em censuráveis desvios éticos no desempenho da elevada função de representação política do Povo brasileiro.
Sendo assim, pelas razões expostas, peço vênia para denegar o presente “habeas corpus”, mantendo, em conseqüência, a prisão cautelar definitivamente decretada contra o ora paciente.

É o meu voto.

* acórdão pendente de publicação.

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