Independência ou Morte


"O que importa não é saber o que fizeram de nós, mas sim o que fizemos com o que quiseram fazer conosco"

Jean Paul Sartre


Rosivaldo Toscano dos Santos Jr.*


Não faz muito tempo assistimos ao Presidente do Supremo Tribunal federal e também do Conselho Nacional de Justiça criticar o que ele chamou de “independentismo” da magistratura de primeira instância. Causou-nos estranheza tal adjetivação, uma vez que a própria LOMAN disciplina que:
Art. 40. A atividade censória de tribunais e conselhos é exercida com o resguardo devido à dignidade e à independência do magistrado.
Art. 41. Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem, o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.
Nova e recente surpresa tivemos ao ler a redação da Resolução 106 do Conselho Nacional de Justiça, que trata do estabelecimento de critérios para a promoção, remoção e acesso de magistrados por merecimento, uma vez que assim prescreveu:
Art. 5º Na avaliação da qualidade das decisões proferidas serão levados em consideração:
(...)
e) o respeito às súmulas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores.
Acreditamos que a boa intenção dos conselheiros do CNJ foi tornar o Judiciário mais eficiente e homogêneo. Porém, entendemos não ser esse o caminho para atingir tal desiderato, por deveras perigoso a todos, juízes e cidadãos. Explicaremos.
O princípio constitucional da legalidade e a atribuição ao Poder Judiciário de fazer o controle da constitucionalidade das leis nos impõem o respeito à Constituição da República nas nossas decisões, e ainda assim sem qualquer punição por questão de interpretação dos seus dispositivos. No mais, os tribunais e o sistema recursal existem exatamente para reformar eventuais decisões que contrariem os interesses das partes envolvidas e estejam em desacordo com o Direito. O que não se pode é constranger previamente o magistrado que julga fundamentadamente, nos termos do art. 93, IX, da Carta Constitucional de 1988, até porque é exatamente essa dialética que permite a abertura para a permanente construção da jurisprudência, atualizando-a ao nosso tempo.
O dispositivo da resolução acima foge ao espírito da Carta de 1988 e até mesmo das atribuições que lhe foram dadas ao CNJ pela Emenda Constitucional 45/2004, uma vez que culmina por punir o magistrado pela circunstância de pensar diferente. Tal discurso é totalitarista. Feliz foi Zuenir Ventura quando disse que
"(...) a democracia não é consenso, mas dissenso. Em termos de opinião, todos só são iguais perante a ditadura. Na democracia, tudo é diferença".
Acrescento ser exatamente essa multiplicidade de visões e a possibilidade de estabelecer um diálogo que dá a abertura para podermos construir, dentro e na linguagem, melhores soluções para os desafios concretos que a vida nos impõe.
O eficienticismo subjacente à submissão do magistrado a decisões de tribunais superiores não pode ser defendido a despeito das regras do jogo democrático. Não podemos permitir isso. Caso contrário, em breve deixaremos de ser juízes e o Poder Judiciário, tal como historicamente reconhecido nos Estados Democráticos de Direito, fenecerá.
Há outros caminhos para aprimorarmos o Judiciário, e estamos trilhando. Todos eles precisam passar pelo respeito, valorização e reconhecimento da magistratura de primeira instância, e pela nossa inclusão nas discussões dos rumos do Judiciário, pois fazemos parte da solução. Uma boa gestão é democrática. É o que almejamos. E essa norma da Resolução está em desarmonia com o discurso que o próprio CNJ sempre teve.


*Juiz de Direito no Rio Grande do Norte - Membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD

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