Exorcismo judicial


Numa Comarca da Região do Seridó, há muitos anos, instalou-se uma igreja ao lado do Fórum.
Com finalidade de atrair clientes/fiéis o líder religioso recém chegado utilizou pesadamente a propaganda. Com potentes alto-falantes, procurava fisgar pelos ouvidos. O discurso era o tradicional:
- Se você perdeu o emprego, sua mulher lhe deixou, está viciado no álcool e cheio de dívidas, venha para cá e aceite Jesus. Ele vai lhe dar a graça e a sua vida vai mudar.
Acontece que durante o turno da manhã ocorriam as audiências. Não se sabe bem se foi empolgação ou outro motivo, mas o pregador levantou o tom em todos os sentidos. O volume cada vez mais alto e se iniciaram sessões de exorcismo em plena luz do dia e horário comercial.
O magistrado Raimundo Carlyle, inicialmente apenas incomodado, mas respeitando a liberdade religiosa, mandou um recado ao religioso para que baixasse o volume nas horas em que as audiências ocorriam. Até uma tabela com horários lhe foi entregue.
Os dias se passaram e parece que o efeito foi o contrário. Cada dia mais volume e excitação do gerente da filial de Deus na terra. Pôs o magistrado a redigir um ofício. Nele expôs que até as partes reclamavam do barulho e não havia concentração para despachar com tranqüilidade no fórum. Em vão.
Certa manhã. Audiência criminal.
– Diga-me o que aconteceu – dirigiu-se o juiz para a testemunha.
Ao fundo, num volume que fazia parecer que o pregador estava gritando dentro da própria sala de audiências:
– Sai, satanás! Sai desse corpo. Em nome de Jesus!
E a testemunha:
– Doutor Carlyle, não consegui ouvir o que o senhor falou.
– Eu disse...
– Saí! Saí! O sangue de Jesus tem poder! – retumbava na sala a voz do intermediário do Todo-Poderoso.
Na igreja, uns trinta fieis, todos ajoelhados, mãos para o alto ou em direção ao altar. Uns gemendo, outros chorando, olhos fechados e gritando chavões religiosos. No singelo altar de dois batentes, o corpo de uma jovem se debatendo no chão e o religioso tentando, com dificuldade, manter a mão sobre a testa da adolescente.
- Sai, demo, beuzebu, sete capas. Sai agora em nome do Senhor!
De repente entra um ser alto, forte e todo de preto. Sua capa, ao olhar dos que estavam em vias de êxtase, pareceria com o da própria figura do coisa-ruim. E ele brada, com uma voz ensurdecedoramente grave e irritada:
- Dá pra parar com essa esculhambação?!
Cadeiras pra todo lado, fieis saindo pela janela, gritaria total. O apocalipse chegou àquele local. Até a jovem que se debatia ao chão despertou assustada e correu.
Foi a primeira vez que se viu um juiz exorcista!

Comentários

  1. Muito bom. Estou morrendo de rir.
    George Lins

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  2. sempre os melhores " causos"!

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  3. Obrigado. Acho que nesse ritmo em poucos meses terei material suficiente para um livro.
    Quem tiver alguma história interessante da vida na magistratura, por favor, entre em contato.

    Abraço.

    Rosivaldo.

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  4. Que pena que a audiência não era gravada!

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  5. Eu adoraria ver a cara dos fieis saindo da igreja ao ver o magistrado, rs.rs.rs.rs

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  6. Muito bom, dr. Para melhorar, sugiro que o ilustre formule algum conto, referindo-se aos constantes escândalos sexuais envolvendo padres.

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  7. Caro Nilton,

    O "causo" acima, tirando os floreios poéticos da literatura, realmente aconteceu. Não é um conto (fictício).
    Sou cético, não crendo e nem sendo adepto de qualquer agremiação religiosa. O causo retrata uma situação peculiar ou pitoresca da vida na magistratura, e nem de longe faz comparações entre catolicismo e protestantismo.
    Por fim, condeno e abomino qualquer tipo de exploração de um ser humano ao outro, incluindo a sexual, e na esfera religiosa o próprio Vaticano tem dado o braço a torcer e reconhecido isso, ainda que com relutância.

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  8. ahhh se todo juiz fosse assim... kkkkk

    com esses causos ai, jajá sai um livro mesmo.... quam sabe um filme...

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  9. Caraca!!!!!!!!! Estou rachando o bico e rolando de rir. Imaginei o juiz como José Mojica Marins... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... não consigo parar de rir.
    Fui.

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  10. Muito bom!
    Estou rindo tanto, que o meu irmão está achando que eu estou ficando tão alterada quanto os fiéis dessa igreja...
    Obrigada por compartilhar o "causo".
    JCS

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  11. concordo plenamente com a attitude do juiz, visto que o direito de uns começa quando termina dos outros. Eu é que digo, pois morei num bairro aqui no Rio e nos fundos havia uma IURD e, que começava com os rituais de "sai satanás" as 5:00h da manhã e terminava lá pelas 10.00h da noite, era uma gritaria, parecia que tinha gente apanhando, batendo ou seja uma pertubação sem precedentes. Como sindico, havia constantes reclamaçoes, comuniquei diversas vezes,mas continuaram com a sessao dos descarregos. Um dia depois de varios pedidos e abaixo assinados, e naquela ocasião houve uma determinação do Poder Judiciário, via MP, abolindo a pregaçao bíblica dentro dos trens, pois isto prejudicava a paz e tranquilidade daqueles que estavam a caminho do trabalho ou da casa, a Jesus Cristo é o Senhor resolveu lacrar as portas e janelas voltadas para o prédio com concreto, mas mesmo assim ainda se ouvia os gritos e gemidos de pastor e pessoas endemonhadas sendo libertadas do julgo do Satanás.

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  12. QUE MARAVILHA,RSRS. ESSA ESTÓRIA DAVA UM QUADRO NO FANTÁSTICO.

    ESPETACULAR

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  13. Muito bom Excelência!!!

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