"O inferno são os outros"

Uma amiga me encaminhou hoje um email:
“Kit do brasileiro - Vai transar? O governo dá camisinha. Já transou? O governo dá a pílula do dia seguinte. Teve filho? O governo dá o Bolsa-Família... Tá desempregado? O governo dá Bolsa Desemprego. Vai prestar vestibular? O governo dá o Bolsa Cota. Não tem terra? O governo dá o Bolsa Invasão e ainda te aposenta. Resolveu virar bandido e foi preso? O governo dá Auxílio-Reclusão. Mas experimenta estudar e andar na linha pra ver o que é que te acontece! ‘Trabalhe duro, pois milhões de pessoas que vivem do Fome-Zero e do Bolsa-Família, sem trabalhar, dependem de você’. Se você é brasileiro passe adiante.”
Como já dizia Sarte, "o inferno são os outros", mas, ao mesmo tempo, é o reconhecimento da alteridade que nos permite compreender quem somos e onde estamos. Prefiro ver sob esse prima.
Por isso resolvi fazer um pequeno questionário de reflexão, para que possamos ler antes de atacarmos programas sociais:
Já imaginou quantos por cento da população do Brasil: a) mora numa rua calçada, saneada e que não enche nas chuvas; b) mora num bairro com acesso rápido aos meios de transporte, hospitais e escolas e ao lazer; c) sempre teve o que comer em casa; d) tem um plano de saúde; e) um carro na garagem de casa; f) tem uma garagem em casa; g) tem uma casa, no sentido digno da palavra; h) estudou pelo menos o ensino básico em colégios particulares; i) cursa ou cursou Universidade; j) consegue viajar nas férias; k) tem efetivamente férias; l) consegue ir a um cinema; m) e não só ir, como a assistir e a entender um filme legendado; n) teve apoio dos pais na sua criação; o) tem computador em casa; p) tem família que possa pagar, se quiser, um psicólogo para resolver seus conflitos pessoais; q) frequenta shopping centers para compras; r) ganha presentes de Natal?
Como juiz criminal, trabalho todos os dias com as camadas mais fragilizadas da população, uma vez que nesse país só se punem pobres.
Minha opinião: o Brasil tem há mais de quinze anos um dos melhores programas de combate a AIDS do mundo e muito se deve a essa distribuição. Ela é essencial para a população carente e mesmo para aquela que não seja. O importante é evitar a oportunidade de transar sem estar com proteção.
A pílula do dia seguinte também é muito importante, pois nada pior do que ser pobre, engravidar indesejadamente e não ter como evitar.
Bolsa-família não é esmola, é programa de transferência de renda. Você sabia que o Brasil está, num ranking de 175 países, em 167º lugar em distribuição de renda? Somos muito desiguais. Pode soar desnecessário para nós, pois nunca passamos “aperto” de verdade. Mas o programa é muito mais do que esmola, exigindo freqüência a escola e vacinação das crianças das famílias pobres beneficiadas.
Milhões de brasileiros sem emprego não estão assim porque querem. O seguro-desemprego é uma conquista social muito importante e essencial para dar dignidade àqueles que buscam emprego, evitando a marginalização, e aplica-se a casos específicos.
Não existe o bolsa-cota racial. Existe sim a necessidade de resgatarmos a dívida histórica com os afro-descendentes.
Não existe o bolsa invasão. O Brasil possui uma das piores distribuições de terras produtivas do mundo.
O auxílio reclusão é muito importante para evitar que a família do preso passe fome e descambe também para a criminalidade. Lembre que a prisão é uma pena para quem cometeu o crime e não para sua família. Sem ele, ela também pagará, inocentemente.
Por falar em bandidos, lembre que há muitos usando terno e gravata, e passeando em carros importados por aí.

Comentários

  1. Bem, há pelo menos duas razões para esse colóquio distópico apresentado por sua conhecida e amiga;
    A primeira é que a sociedade é facilmente convencida em função da falta de capacidade arbitraria.(Escolher com habilidade e eficácia entre “A” e “B”, não é um dos nossos fortes); a mídia se encarrega disso... Não me admiro, pois nem interpretar um texto com destreza e propriedade o brasileiro, na sua maioria, o faz, sem que haja dissonância, sendo assim, como proceder no contexto atual?
    A segunda é um problema cultural de difícil e longo discurso; A sociedade tem visão distorcida, é a nossa educação que nos deixa endoidecido. Nossas críticas na verdade não são oriundas de nossas mentes, mas da formatação compelida delas.
    A leitura que faço acerca de uma sociedade melhor diante do que nos tem assolado não é das mais animadoras. Não acredito que poderão vir dias melhores num futuro à pequeno, médio, ou longo prazo, mas minha auto crítica não me aliena, ao ponto de desaperceber que esse pensamento negativo, e pouco esperançoso, é fruto da inversão de valores humanitários, difundidos aos longos dos anos no contexto do século XX, hoje taxado de “Era Sangrenta”. Sou convicto de que fui mal alimentado na minha formação social e de que uma parcela da sociedade prefere beber da cicuta denominada “cultura de violência”, no lugar da “cultura de paz”. Esse é o “x” da questão, o supra-sumo dos projetos: CULTURA DE PAZ! Não tenho culpa de ter sido exposto pelo oposto desta cultura. Não tenho culpa de ter sido nutrido por essa ideologia social exagerada que é responsável pelo estimulo a formação de uma cultura de criminalidade, e o que é pior, mostra a violência as nossas crianças e jovens, como forma comum e corriqueira, banalizando o processo cognitivo, tudo isso de forma democrática em “TV” aberta, com o apoio do poder público. Mas acredito que por uma cultura de paz o processo poderá tomar proporções reversivas.
    Fiquei horrorizado quando constatei em uma matéria pesquisada, que segundo dados de outra ONG, a MOVPAZ (Movimento Internacional pela PAZ e Não violência), as crianças brasileiras recebem, entre os seus 03 e 10 anos de idade, inputs de 107 mil cenas de violência além de assistirem mais de 40 mil tiros por ano! Tudo isso transmitidos pela TV, seja em filmes, novelas ou programas policiais. Pasme! Todo esse arcabouço sangrento é enxertado no horário mais sagrado do convívio de uma família: A hora do almoço.
    De posse destas infelizes constatações e de muito mais implicações relacionadas ao assunto, a ONU e UNESCO no ano de 2000, decidiram criar a “Década de Paz”. Desta feita, a cultura de paz chega a nossa sociedade com uma proposta de mudança, por meio de educação, diálogo e compreensão, a fim de fomentar de forma construtiva e formativa, o fim da violência, à prática da não violência, a valorização do conjunto, em suas áreas comportamentais como: atitudes, tradições, estilos de vida, fundamentados no respeito à vida, desembocando no bem estar da sociedade.
    Um mundo pacífico é algo anelado desde os primórdios, mas a receita parece simples se percebermos que a paz é algo da responsabilidade de todos em cultivá-la individual e coletivamente através de uma convivência de igualdade social e democrática, baseadas no amor e solidariedade... Tudo isso; Por uma Cultura de Paz... Quando isso for fomentado, aí sim, pessoas não terão visão crítica como o que chamamos de “Maria vai com as outras”. A visão será como a de pessoas como você amigo Toscano, que como um beija flor, tenta fazer a sua parte apagando um incêndio com gotículas de água em seu minúsculo bico. Você tem um admirador, e esse sou eu. Parabéns pelo Blog de relevância e impressionabilidade.

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  2. Rosivaldo,

    Parabéns pelo blog, está maravilhoso! E também por colocar sua visão lúcida de um intelectual antenado com os fatos sociais e com a nossa realidade, à disposição da internet. Algumas pessoas não conseguem, infelizmente, enxergar além dos tablóides e das tendenciosas posições de periódicos comprometidos com essa ou aquela facção.
    Além disso, os "causos" contados de maneira bem humorada imprimem leveza à atividade judicial.
    Um abraço de mais um admirador.

    Marcelo Varella

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  3. A desigualdade social no Brasil é "gritante"

    analisando a pequena e grande foto desse belo texto, já temos muito o que falar

    Digo pequena pelo tamanho e grande pelo significado que nos passa, basta ver

    Um condomínio de alto luxo, onde só residem quem pertence a classe A e ao lado
    a triste realidade da maioria desse país

    O que será que passa pela cabeça dos personagens de ambos os lados ?

    O que será que pensa aquele que mora no condomínio de luxo vizinho a uma favela, será que ele se preocupa com quem mora ali?
    ou será que fecha os olhos e finge que não vê ?

    E o que será que o outro lado, a parte mais pobre pensa ao chegar em sua janela, ou o que pode se chamar de janela e olha aquele apartamento majestoso, limpo, bonito, com sua área de lazer particular ?

    Há muito o que fazer, o que discutir, esse tema é "pano pra muita manga"

    Parabéns mais uma vez pelos seus textos e por compartilhar seus pensamentos conosco

    Deus te abençoe

    Rodrigo Ede

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  4. I usually do not make time to go over blogs and check it out. Probable because blogs is a source of self-journal where people write for the sake of writing. Just today, I found out that I may surprise myself,if I look for blogs from well educated people. In other words: I love it, thanks for sharing your blog. Changing the subject...
    I didn't know that you was soft-hearted, specially when you worked as hard as you did to get where you are now. I am a compassionate person, so much that after I got my BA in Business I went back to school to study Medicine. All because I want to be closer to people, I want to serve them in a deeper and more personal level, yet I have to let you know that poor or rich you are and you live according to your own decisions. Yes, sometimes is hard to see clearly when your all family is muddy, and you don't have clean water and so on, but is always about choices, specially in Brazil when you don't need to pay for high education.

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  5. Rosivaldo, como eu gostaria de divulgar esse seu texto! Você realmente na qualidade de Juiz pode observar bem como vivem esssas pessoas marginalizdas e excluidas da sociedade.
    Sempre apoiei cada um desses programas do governo e acredito que o ataque aos mesmos advém da falta de conhecimento da maneira como vivem os pobres no Brasil.
    O programa -nenhum deles- fomenta a mendicância, a vadiagem ou desestimula quem quer trabalhar duro. Com um pouco de conhecimento observamos
    que há uma contraprestação que só melhora as condições de vida dos beneficiados pelo programa e consequentemente do País.
    Lorena Faustino Costa.

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  6. HISTORICAMENTE TEMOS DOS BRASIS, O BRASIL DOS RICOS E BRASIL DOS POBRES. ISSO É FATO.


    ADORO ESSE BLOG.

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  7. Gostei doa seu texto poético... Pena que onde vivo e trabalho as familias estão 'treinando' pra serem bandidos e falando que não precisam trabalhar.. Mas sim terem filhos somente... Pois é mais benéfico! Vi uma mãe dizendo a sua filha se cuidar pra começar a ter filho cedo e ganhar o bolsa família. Vejo todos os dias pais ensinado aos seus filhos que não precisam casar ...mas sim fazerem filhos e juntar os docs pra terem direito aos programas sociais...
    Sou psicóloga e trabalho em 4 comunidades pobres... Trabalho 60hs semanis e ganho 800 reais da prefeiturA... Valor liquido! Pq se forem perguntar ganho mais de mil reais...
    Entao sua poesia só serve do seu ponto de vista...
    Obrigado e passar bem...

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